A juíza do Trabalho da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, Dra. Erotilde Minharro, será palestrante da mesa ‘Desafios da gestão de pessoas’, que acontece no dia 15 de agosto, durante o 28º Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos. Em sua apresentação, ela deve tratar sobre o impacto da Reforma Trabalhista nas relações de trabalho, especialmente na Saúde.

Em entrevista à CMB, a juíza disse que entende a necessidade da Reforma, mas discorda das mudanças que podem coibir o acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário. ‘Algumas mudanças enxergo como salutares, tais como, as regras relativas à responsabilidade por dano processual, regras estas que enfatizam a necessidade de atuação de boa-fé no âmbito do processo’, informou, ressaltando que a ‘Lei 13.467/2017 tornou o acesso à justiça mais oneroso ao trabalhador e isso o faz, efetivamente, ser mais cauteloso ao buscar o Poder Judiciário’.

Dra. Erotilde Minharro disse que o entendimento acerca das matérias objeto da reforma ainda não está sedimentado, o que causa insegurança às partes na hora de buscar socorro ao Judiciário. ‘A insegurança aumenta quando se verifica que alguns de seus dispositivos foram inquinados de inconstitucionais e estão sendo objeto de análise perante o Supremo Tribunal Federal. Outros dispositivos chocam-se com o “caput” do artigo 7º. da Constituição Federal, segundo o qual, as alterações legislativas deveriam sempre observar ‘a melhoria da condição social’ do trabalhador’, explicou.

Quanto aos contratos da área de saúde, Dra. Erotilde recomendou que os hospitais não mudem os contratos assinados antes das mudanças legais. ‘A meu ver, os hospitais não deveriam proceder a alterações contratuais lesivas ao trabalhador com base na nova lei, sob o risco de terem que arcar não apenas com o pagamento das diferenças daí decorrentes, como também indenizações por danos morais’, argumentou.

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CMB – Como o Judiciário enxerga a Reforma Trabalhista?
Dra. Erotilde Minharro – Não posso falar em nome do Poder Judiciário, mas apenas em meu próprio nome. Dentre as justificativas para a reforma trabalhista estão os argumentos de que esta seria necessária para modernizar e dar mais segurança jurídica às relações laborais.
Entretanto, pelo menos neste primeiro momento verifica-se uma maior instabilidade jurídica, tanto no direito material como no direito processual. Principalmente porque a Medida Provisória n. 808 de 2017, que suavizava alguns equívocos da Lei 13.467/2017, perdeu vigência a partir de 23 de abril de 2018. Assim, como a reforma trabalhista ainda é muito recente, o leque interpretativo amplia-se de tal maneira que empregados e empregadores ressentem-se de sua aplicabilidade, atuam com cautela, tanto no ajuizamento de novas ações, como nas mudanças que eventualmente os empregadores queiram fazer nos contratos de trabalho de seus colaboradores.
A insegurança aumenta quando se verifica que alguns de seus dispositivos foram inquinados de inconstitucionais e estão sendo objeto de análise perante o Supremo Tribunal Federal, como por exemplo, os artigos relacionados ao pagamento de honorários periciais e advocatícios mesmo àqueles agraciados com os benefícios da justiça gratuita. Outros dispositivos chocam-se com o “caput” do artigo 7º. da Constituição Federal, segundo o qual, as alterações legislativas deveriam sempre observar “a melhoria da condição social” do trabalhador, por exemplo, os artigos que versam sobre o trabalho intermitente, alguns pontos do teletrabalho, jornada de trabalho, saúde e segurança do trabalhador etc.
Algumas mudanças enxergo como salutares, tais como, as regras relativas à responsabilidade por dano processual, regras estas que enfatizam a necessidade de atuação de boa-fé no âmbito do processo.
O Tribunal Superior do Trabalho, com o intuito de demonstrar o seu entendimento acerca dos pontos mais polêmicos da reforma trabalhista, editou em 21 de junho de 2018, a Instrução Normativa n. 41, na qual explicita a maneira como aplicará a Lei 13.467/2017 no tempo quando for instado a fazê-lo por meio de recursos.

CMB – E qual sua posição?
Dra. Erotilde Minharro – Entendo que a Reforma Trabalhista era necessária, mas não concordo com esta mudança que foi implementada. Se havia abuso no direito de litigar, este pode e deve ser coibido com a aplicação das penas pela litigância de má-fé e não com a tentativa de coibir o acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário.
Ficou muito nítida na Lei 13.467/2017 a ideia de proteção à empresa em detrimento da tradicional defesa ao hipossuficiente, ou seja, não houve equilíbrio ao legislador no momento em que idealizou as mudanças, tendo até mesmo se esquecido de que a aplicação da norma se faz em consonância com os demais diplomas legais que tratam da matéria.
Os artigos da reforma que se chocam com o que determinam os artigos 5o. e 7o. da Constituição Federal podem, mesmo em primeiro grau de jurisdição, ser inquinados – incidentalmente – como inconstitucionais, muito embora a palavra final seja do Supremo Tribunal Federal.
De qualquer forma, a Lei 13.467/2017 já está em vigor e não nos cabe mais discutir como ela deveria ter sido feita. Cabe-nos apenas aplicá-la com bom senso e com equidade para, deste modo, cumprir o escopo de pacificação social com justiça.

CMB – Já é possível sentir impacto da Reforma Trabalhista no número de processos?
Dra. Erotilde Minharro – Segundo dados estatísticos do TST, “as Varas do Trabalho, na fase de conhecimento, receberam 689.243 processos e julgaram 1.028.292 no período de janeiro a maio de 2018. Os recebidos tiveram uma redução de 38,2% e a produtividade uma redução de 7,1% em comparação ao mesmo período do ano anterior resultando em uma redução de 17,3% nos processos pendentes de solução que totalizaram 1.503.278 processos em 31 de maio de 2018”.
Esta redução de 38,2% no número de processos recebidos nas Varas do Trabalho deve ser analisada com ressalvas. Isto porque no período de “vacatio legis” os advogados trabalhistas, cientes que as mudanças trariam desvantagens processuais aos trabalhadores, apressaram-se em ajuizar os feitos que estavam em seu poder. Assim, no lapso temporal que antecedeu à vigência da nova norma houve expressivo aumento das demandas com o consequente esvaziamento de processos recebidos a partir da segunda quinzena de novembro de 2017 em diante.
Soma-se a isto, o fato de que de 19 de dezembro a 20 de janeiro ocorrem o recesso judicial e as férias dos advogados, o que também contribui para a redução do número de ajuizamento de ações.
Outro fenômeno que deve ser levado em conta, é o da migração de processos do rito ordinário (que sofreu diminuição) para o rito sumaríssimo, circunstância que afeta o número de pedidos existentes dentro de uma mesma ação.
Logo, o primeiro trimestre de 2018 ainda não espelha com clareza o real impacto da reforma trabalhista no número de processos ajuizados, mas com certeza houve redução na quantidade de feitos distribuídos à Justiça do Trabalho e no número de pedidos em cada ação.
A Lei 13.467/2017 tornou o acesso à justiça mais oneroso ao trabalhador e isso o faz, efetivamente, ser mais cauteloso ao buscar o Poder Judiciário.
Por fim, o entendimento acerca das matérias objeto da reforma ainda não está sedimentado o que causa insegurança às partes na hora de buscar socorro ao Judiciário.
Em segundo grau, entretanto, como os processos em grau de recursos ainda são aqueles anteriores à reforma trabalhista, este impacto, por ora, não se fez sentir.

CMB – Há um levantamento específico para a área de saúde?
Dra. Erotilde Minharro – O Tribunal Superior do Trabalho não realizou levantamento específico do impacto da reforma para a área da saúde, porém, via de regra, os diversos segmentos da economia costumam seguir a proporcionalidade da estatística geral.
No âmbito do direito material do trabalho diversas mudanças repercutem diretamente na área da saúde, tais como o estabelecimento de regime de 12 X 36, a possibilidade de negociação direta com o sindicato para determinadas matérias diminuindo direitos já fixados em lei, negociação direta entre empregador e empregados que ganham até determinada faixa salarial com quitação geral do contrato de trabalho, arbitragem extrajudicial para situações de empregados denominados “hipersuficientes”, trabalho intermitente, terceirização de atividade-fim etc.

CMB – Qual a orientação para que hospitais e colaboradores entrem em consenso?
Dra. Erotilde Minharro – Entendo que, por força da regra constitucional do direito adquirido os contratos de trabalho que vigoravam antes de 11 de novembro de 2017 não podem ser alterados para pior (mesmo que a lei 13.467/2017 estipule situação in pejus), por isso, a meu ver, os hospitais não deveriam proceder a alterações contratuais lesivas ao trabalhador com base na nova lei, sob o risco de terem que arcar não apenas com o pagamento das diferenças daí decorrentes, como também indenizações por danos morais.
Os contratos de trabalho novos, já podem utilizar-se dos ditames da Lei 13.467/2017, desde que analisados em conjunto com a Constituição Federal e com as Convenções da Organização Internacional do Trabalho devidamente ratificadas pelo Brasil.
Importante, também, que em pontos mais nevrálgicos de aplicabilidade da reforma haja a participação do sindicato da categoria profissional, da forma preconizada no novel art. 611-A da CLT.
Por fim, mister se faz observar que, a lei não se interpreta exclusivamente pelo método gramatical, motivo pelo qual, ao intérprete convém ler a norma jurídica com base no sistema em que ela está inserida; destarte, nem sempre o resultado da interpretação será aquele esperado pelo legislador. Toda lei nova, quando do início de sua vigência, é, por assim dizer, como um filho que, depois de criado lança-se ao mundo com vontade própria, independentemente daquilo que esperavam seus pais. Aguardemos o tempo.