Desde a primeira onda de covid-19, os neurologistas notaram síndromes neurológicas agudas de longo prazo e sequelas neuropsiquiátricas dessa doença. Até agora, as percepções sobre o impacto da doença na cognição humana permaneceram obscuras, com os neurologistas referindo-se à “névoa cerebral”.

Um grupo de pesquisadores investigou os efeitos da covid-19 no comprometimento cognitivo em 14 pacientes com demência preexistente (quatro com doença de Alzheimer [AD], cinco com demência vascular, três com demência da doença de Parkinson, e dois com a variante comportamental de demência frontotemporal), que sofreram maior deterioração cognitiva após o coronavírus.

Os investigadores Souvik Dubey, MD e DM do Departamento de Neuromedicina do Bangur Institute of Neurosciences (BIN), localizado em Calcutá, na Índia, e Julián Benito-León, MD e Ph.D. do Departamento de Neurologia da Universidade Hospital 12 de Octubre, em Madri, na Espanha, explicaram: “Especulamos que deve ter havido algum efeito deletério da covid em pacientes com demência preexistente, extrapolando nossa compreensão do impacto cognitivo dessa infecção viral em pacientes sem demência. No entanto, a avaliação de deficiências cognitivas em pacientes com demência preexistente é difícil devido a vários fatores de confusão e vieses.”

Além de descobrir que todos os subtipos de demência, independentemente dos tipos anteriores da doença nos pacientes, comportavam-se como demência progressiva após a covid, os investigadores perceberam que a linha de demarcação entre os diferentes aspectos da enfermidade ficava mais difícil após a covid-19.

Os pesquisadores também descobriram que as características de um determinado tipo de demência mudaram após o contágio com o vírus, e as demências degenerativa e vascular começaram a se comportar como mista, tanto clínica quanto radiologicamente. Um curso de deterioração rápida e agressiva foi observado em pacientes com início insidioso, demência lentamente progressiva e que era previamente estável ​​cognitivamente.

A atrofia cortical, que ficou evidente nos acompanhamentos subsequentes ao estudo, e a coagulopatia, envolvendo pequenos vasos e inflamação, foram ainda correlacionadas com alterações na intensidade da substância branca no cérebro, sendo esta última considerada o indicador patogenético mais importante.

A rápida progressão da demência, o acréscimo de mais deficiências/deterioração das habilidades cognitivas e o aumento ou novo aparecimento de lesões na substância branca sugerem que os cérebros previamente comprometidos têm pouca defesa para resistir a um novo insulto (ou seja, um “segundo golpe” como infecção /resposta imune desregulada e inflamação).

De acordo com o Dr. Dubey e seus coinvestigadores, “Névoa cerebral” ou “Brain Fog” é uma terminologia ambígua e sem atribuição específica ao espectro de sequelas cognitivas pós-covid. “Com base na progressão de déficits cognitivos e na associação com alterações na intensidade da substância branca, propomos um novo termo: ‘FADE-IN MEMORY’ (ou seja, Fadiga, diminuição da fluência, déficit de atenção, depressão, disfunção executiva, velocidade de processamento de informações reduzida e comprometimento da memória subcortical).”
A coinvestigadora Mahua Jana Dubey, MD do Departamento de Psiquiatria do Berhampur Mental Hospital, em Berhampur, na Índia, acrescentou: “Em meio a vários impactos psicossociais do coronavírus, déficits cognitivos, quando acompanhados de depressão e/ou apatia e fadiga em pacientes com ou sem demência preexistente, requerem avaliação meticulosa, pois impõem estresse e sobrecarga aos cuidadores, uma das questões mais importantes, mas muitas vezes esquecidas, que podem ter o potencial de dificultar o tratamento.”

“Como o envelhecimento da população e a demência estão aumentando globalmente, acreditamos que o reconhecimento de padrões de déficits cognitivos associados à covid-19 é urgentemente necessário para distinguir entre as deficiências cognitivas associadas ao coronavírus e outros tipos de demência”, concluiu o Dr. Souvik Dubey.

*Rubens de Fraga Júnior é professor de Gerontologia da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR) e médico especialista em Geriatria e Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Fonte: Saúde Debate