Na reta final para as eleições do primeiro turno, a Fiesp convidou para um debate sobre saúde os assessores dos presidenciáveis. Compareceram ao encontro os representantes dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes e Simone Tebet e a mediação ficou por conta do diretor titular do Comitê da Cadeia Produtiva da Saúde e Biotecnologia (ComSaude) da Fiesp, Ruy Baumer. O vice-presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Filantrópicas (CMB), Flaviano Feu Ventorim, participou do evento. O objetivo do debate foi apresentar as demandas do setor e discutir soluções. “Saúde deve estar no programa de Estado. Não deve ter lado político”, disse o presidente Ruy Baumer durante a abertura, destacando a importância do tema para todos os brasileiros.

Ciro – O primeiro a falar foi o assessor da candidatura de Ciro Gomes, Nelson Marconi, que destacou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual chamou de programa “mundialmente reconhecido, mas que tem sido desmontado e sucateado”. Ele chamou a atenção para a necessidade de otimizar o fluxo de atendimento do SUS, por meio da integração e digitalização de dados. “A fila existente decorre em boa parte do direcionamento dos esforços para atender pacientes durante a pandemia, mas agora precisamos zerar essa fila”.

O Programa Nacional de Imunizações foi outro ponto destacado por Marconi. A imunização está em declínio já há algum tempo, mas a queda se acentuou depois da pandemia. “Temos o risco de ter crianças com doenças que já estavam de certa forma resolvidas no âmbito da sociedade, e isso é um problema muito sério”.

O assessor do candidato Ciro Gomes apontou a falta de medicamentos como outra questão séria. “E tem tudo a ver com o complexo industrial da Saúde, que precisa ser recuperado”, afirmou. Ele disse que o programa Farmácia Popular é um importante instrumento, por oferecer medicamentos essenciais para a saúde preventiva, como os que controlam a pressão arterial e a diabetes. “Para não aumentar a fila do SUS, precisamos fortalecer a Farmácia Popular”, afirmou Marconi, que defende um sistema centralizado de compra de medicamentos de alta complexidade.

O fortalecimento da carreira médica foi outra medida defendida pelo assessor do presidenciável. Ele entende ser necessário oferecer mais atrativos para que os médicos atuem em localidades mais distantes, numa versão semelhante ao programa Mais Médicos, mas com profissionais brasileiros bem qualificados e avaliados para exercer a função. Marconi propôs a regulação da incorporação tecnológica de produtos farmacêuticos e médicos e o estímulo à produção local no Brasil.

“A pandemia evidenciou fortemente nossa dependência em termos de produtos, máquinas e insumos. Essa é uma área que pode ser muito importante para ajudar o desenvolvimento da própria indústria do país, pois o setor da saúde, quando desenvolvido, estimula outros setores da economia, tais como o eletrônico, a indústria de máquinas e equipamentos, de softwares e de comunicações”, explicou.

Sobre o financiamento do setor, Marconi ressaltou a necessidade de se respeitar o teto de gastos, mas criando regras que não vinculem os valores somente à inflação. “Precisamos fazer uma Reforma Tributária, a fim de conseguir mais recursos e menos despesas do ponto de vista orçamentário. Assim, poderemos abrir espaço para gastar mais com saúde e com educação. De outra forma não sairemos da discussão”, pontuou.

Tebet – O assessor da candidata emedebista, João Gabbardo, observou em sua fala inicial que a discussão sobre saúde é suprapartidária e concordou que a credibilidade do SUS precisa ser resgatada. “A falta de comando do Ministério da Saúde durante a pandemia foi um desastre. As decisões tinham de ser tomadas de modo conjunto, mas isso se perdeu no meio do caminho”, disse.

Gabbardo afirmou que, entre os que utilizam o SUS, a avaliação é sempre muito mais positiva do que negativa. As pesquisas apontam que, entre os que avaliam mal o sistema, a maior parte não o utiliza. “Isso acontece porque o problema do SUS é dificuldade de acesso. As pessoas não conseguem marcar o procedimento, demoram para ser atendidas, entram numa fila de espera que nem sempre é transparente ou clara e não sabem quando vão ser chamadas”, explicou.

Essa questão precisa ser urgentemente revista, de acordo com o assessor da candidata Simone Tebet, principalmente depois da pandemia, quando muitas pessoas deixaram de fazer as cirurgias eletivas. “E, para resolver, precisa colocar mais dinheiro. Não dá para fazer mais do que já é feito com o mesmo orçamento”.

O incentivo para que hospitais tenham interesse em fazer os procedimentos foi um ponto de atenção lembrado por ele. “Precisamos aumentar o financiamento e criar incentivos financeiros, assim como revisar a tabela de procedimentos”.

Uma questão um pouco explorada, de acordo com João Gabbardo, é a diferença entre o tratamento das entidades com e sem fins lucrativos. Ele criticou algumas vantagens que tornariam o sistema injusto, como a isenção de impostos e outros incentivos às entidades que não são visam lucro. “Um laboratório pode receber apenas o valor da tabela de procedimentos e nunca vai poder receber uma emenda parlamentar para compra de um equipamento, o que acontece com os filantrópicos. E nunca vai poder ter um recurso adicional que não seja o recurso da tabela, o que é uma situação injusta”, lamentou.

Gabbardo reconhece que a prioridade precisa ser a entidade filantrópica, mas lembrou a importância das entidades privadas dentro do sistema. “Isso dificulta a implementação de parcerias, pois há tratamentos diferentes para os mesmos procedimentos. Essa é uma questão que precisa ser reavaliada”. O assessor defendeu a correção da tabela de serviços, a telemedicina e o fortalecimento do complexo industrial do setor da saúde.

“Queremos incentivar a produção nacional, para que não tenhamos mais o que aconteceu durante a pandemia. Isso está explícito no nosso programa de saúde, e para alcançar esse objetivo vamos investir em pesquisa e desenvolvimento”, concluiu.

Lula – O ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa concordou com muitos pontos apresentados pelos pares e afirmou que a construção das diretrizes de governo de seu partido foi orientada pelo diálogo. “O Ministério da Saúde é hoje uma estrutura fechada que substituiu o federalismo de colaboração por uma espécie de federalismo de conflito. Não há diálogo com o setor público e nem com setor privado, queremos restabelecer esse canal”.

Na visão do assessor do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a saúde não é meramente um gasto, mas importante investimento para a geração de mais qualidade de vida, com retorno econômico e com participação relevante no PIB. “Gera empregos qualificados contribui para o processo de retomada do crescimento e desenvolvimento econômico do país. Por isso é uma das grandes prioridades, e vamos fortalecer o complexo industrial econômico na área da saúde”, afirmou Costa.

O ex-ministro disse que pretende substituir mecanismos de controle fiscal que estão superados, citando a Emenda Constitucional 95, “que retirou R$ 37 bilhões da área da saúde entre 2018 até 2022, vamos trabalhar para fazer essa recomposição e acabar com o orçamento secreto, para o qual estão bloqueados R$ 10 bilhões só no ano que vem”.

A exemplo de Marconi, o assessor Costa defendeu a retomada do Programa Nacional de Imunizações no Brasil e anunciou a criação de uma rede nacional de controle de doenças e emergências sanitárias, o enfrentamento às doenças crônicas não transmissíveis, como o câncer e doenças cardiovasculares.

A digitalização e regionalização de todo sistema de saúde, assim como a utilização da telemedicina também foram defendidos por ele. “Vamos usar todos os instrumentos para que o atendimento especializado possa deixar de ser um grande gargalo, bem como ampliar a assistência farmacêutica”, disse, ao citar o Farmácia Popular.

“O SUS é o maior sistema público de saúde do mundo em termos totais, mas é uma relação perversa quando falamos sobre gasto público e privado e comparamos o Brasil a países que têm sistema público universais ou que estão em nível de desenvolvimento semelhante ao Brasil, pois eles gastam muito mais”. Por fim, Costa propôs um mutirão de trabalho já em 2023 para que os recursos que estão na área da saúde possam ser disponibilizados para aplicação no segmento.

Participação da AMB

O presidente da AMB César Eduardo Fernandes, participou da mesa de abertura e, posteriormente, ressaltou que, a despeito das diferenças, os representantes dos candidatos estavam realizando um debate de ideias, de propostas, e não um debate apaixonado, indicando que isso é exatamente o que a sociedade precisa, em outros fóruns de discussão.

Em sua pergunta direcionada aos participantes, César trouxe à tona o assunto da formação médica, questionando qual a opinião deles sobre abertura de novas escolas de saúde e sobre o exame de proficiência dos egressos dos cursos de medicina.

“O que nos preocupa, como médicos e como Associação Médica Brasileira, é a formação de novos médicos. Nós temos hoje em nosso país um número muito grande de médicos, ao redor de 600 mil. Nos últimos 10 anos houve um aumento exagerado, inimaginável no número de faculdades de medicina, em torno de 60% a 70%”, afirmou.

“Com uma ideia equivocada de fixação de médicos nas cidades em que se formam, escolas médicas foram levadas a muitos municípios pequenos, com deficiente rede assistencial e sem a mínima condição de oferecer campo de ensino. Não possuem docentes locais com a competência necessária para formação médica e tão pouco existem vagas de residência médica necessárias para acolher aqueles que querem dar sequência à sua formação. Assim, nos preocupa que esses formandos, sem qualquer avaliação adicional, recebam, com base no diploma que essas instituições de ensino superior lhes outorgam, o registro profissional nos seus respectivos conselhos regionais de medicina, e, assim, estejam legitimados, sob o ponto de vista legal, a atender a população, comprometendo a segurança dos pacientes”, concluiu o presidente da AMB.

Todos os representantes demonstraram reconhecer a importância das questões feitas pelo presidente da AMB, apontando a necessidade de análise e estudos sobre estes assuntos para, posteriormente, serem adotadas as devidas ações envolvendo os temas.

Presença

Também participaram o presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do estado de São Paulo (SindHosp), Francisco Balestrin, o superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo), Paulo Henrique Fraccaro, o presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Wilson Scholnik, e o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes.

 

Fonte: Associação Médica Brasileira (AMB)