Após uma lenta queda no número de casos e óbitos por coronavírus, observada nos últimos dois meses, o país voltou a ser assombrado pela pandemia. Estados de todas as regiões do país, como Rio, São Paulo, Mato Grosso, Acre e Paraná, observam as médias móveis de ocorrências e mortes até triplicarem nos últimos dias. Especialistas em saúde pública alertam que municípios em condições mais críticas devem reforçar medidas de isolamento social — uma iniciativa que, reconhecem, poderá ser recebida com resistência pela população, após meses de quarentena e à beira das festas de fim de ano.

Em seu levantamento mais recente, divulgado ontem, o Imperial College de Londres constatou que a taxa média de transmissão (Rt) da Covid-19 no Brasil foi de 1,1 na última semana — ou seja, cada cem pessoas contaminadas contagiam outras 110. A taxa de contágio é uma das principais referências para acompanhar a evolução epidêmica do Sars-CoV-2. Desta vez, ela cresceu 0,33 e voltou praticamente ao mesmo patamar de duas semanas atrás.

Ontem, foram registrados 32.262 novos casos e 676 novos óbitos nas últimas 24 horas, totalizando 5,9 milhões de infectados e 166.743 vidas perdidas desde o início da pandemia, segundo boletim do consórcio de veículos de imprensa. A média móvel de mortes foi de 557, a maior dos últimos 35 dias, com tendência de alta em 14 estados. Trata-se de um crescimento de 45% em relação há 15 dias.

A média móvel de casos, por sua vez, ficou em 29.674, 71% acima do que há duas semanas. Esse índice apresenta tendência de alta em 17 unidades da federação.

Para o pesquisador de Métodos Analíticos em Saúde Pública da Fiocruz Marcelo Gomes, os quatro dias sem divulgação do número de mortes em alguns estados atrapalha os diferentes prognósticos feitos em cima dos dados.

— Esse apagão (em função do sistema do Ministério da Saúde) foi gravíssimo e prejudicial para todos os tipos de análise, porque, levando em conta os dados de divulgação, ele represou os números, que depois foram sendo divulgados. Isso deve trazer problemas, principalmente para análise da média móvel.

O estado do Rio voltou a registrar ontem um aumento significativo — de 49% — na média móvel de mortes, em relação a duas semanas atrás. A tendência de crescimento de contágio em território fluminense é a maior dos últimos 50 dias. Das 173 mortes registradas ontem, 141 (81,5%) ocorreram no município do Rio. A cidade também puxa o número de novos casos: 1.097, dos 2.554 anotados.

Ontem, o número de pacientes internados nas UTIs da rede municipal estava em 239 (95% do total). Nas enfermarias, onde ficam casos mais leves, das 630 vagas, 394 estavam ocupadas (62%). Na rede SUS da cidade — que inclui unidades municipais, estaduais e federais —, a taxa de ocupação era de 80% nas UTIs e 73% nas enfermarias.

O governo de São Paulo publicou ontem um decreto prorrogando a quarentena no estado pela 14ª vez, até 16 de dezembro, mesmo levando adiante medidas para reabertura da economia.

O secretário paulista de Saúde, Jean Gorinchteyn, não descarta a adoção de políticas de quarentena mais restritivas caso os indicadores da pandemia continuem crescendo:

— Se tivermos índices aumentados, seguramente medidas muito mais austeras e restritivas serão realizadas no sentido de continuarmos a garantir vidas — afirmou ao G1.

Coordenador da Frente de Diagnóstico da Força-Tarefa da Unicamp contra a Covid-19, Alessandro Farias avalia que o recente aumento de casos da pandemia é uma “semana de maremoto”.

— Não sei se esses índices continuarão crescendo, porque o cenário atual do Brasil não pode ser comparado ao visto na Europa, onde os países quase zeraram o número de casos até chegar uma segunda onda. Nunca nos aproximamos dessa realidade — afirma. — A população começou a relaxar e voltou às ruas, mesmo sem haver vacina. É difícil fazer lockdown e evitar a volta ao pico da pandemia, porque precisamos pensar em soluções para os comerciantes não fecharem as portas.

População ‘cansada’

Paulo Petry, doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera que a população se “cansou da pandemia” e que a chegada do verão provocou aglomerações. Uma consequência é o aumento na taxa de transmissão.

— É um ciclo inexorável: a incidência, as hospitalizações, as internações em UTI e as mortes — lamenta. — Nunca fizemos verdadeiramente uma quarentena, nos restringimos ao distanciamento. Precisamos pensar em medidas mais severas e apelar para a colaboração da população. Infelizmente haverá um impacto econômico e um custo emocional diante das festas de fim de ano.

Laura de Freitas, microbiologista da Universidade de São Paulo (USP), afirma que as medidas para diminuir os números são as conhecidas: isolamento social, máscara e álcool em gel:

— É o momento sim de medidas mais rígidas serem decretadas, como fechamento de setores da economia. A gente está vivenciando a escalada dos casos, o ideal é fechar agora para não piorar e sobrecarregar hospitais.

Fonte: Jornal Extra