Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que ocorrem 800 mil suicídios por ano no mundo, o que significa um suicídio a cada 40 segundos. Mais de 100 mil são suicídios de pessoas com menos de 19 anos de idade. Os dados foram apresentados pelo psiquiatra e professor de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Christian Kieling, em audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (30).

Segundo ele, entre adolescentes, o suicídio é a segunda ou terceira causa de morte em todo o mundo. “Para meninas, é a segunda causa de morte, só atrás de acidentes de trânsito. Para meninos, mesmo em termos absolutos o número sendo maior do que o das meninas, é a terceira causa de morte, porque infelizmente, em locais como no nosso País, temos mortalidade grande por violência interpessoal, violência urbana”, apontou.

Conforme o médico, o suicídio não tem uma causa única, pois envolve diversos fatores de risco e não existe um remédio para preveni-lo, mas existem fármacos para tratar transtornos mentais. A prevenção também deve envolver psicoterapia e a atuação das escolas. “A gente sabe que os transtornos mentais estão extremamente associados ao suicídio, e a gente tem intervenções para os transtornos mentais; é importante a gente falar sobre a depressão”, ressaltou.

“A gente tem dados muito claros e a experiência clínica mostram que perguntar sobre suicídio para alguém que está sofrendo, que está pensando em suicídio, não só não aumenta a probabilidade de engajar no comportamento suicida, como alivia o sofrimento”, frisou.

A deputada Liziane Bayer (PSB-RS), que pediu o debate, disse que o objetivo da audiência pública foi justamente quebrar o silêncio para ajudar as pessoas a encontrar saídas para o sofrimento. “A pauta do suicídio, da autolesão, foi velada por muito tempo, porque tínhamos receio de comentar. Nós vemos que isso não funcionou. Nós precisamos falar sobre a dor das pessoas, falar sobre nosso sentimento. Quem atenta contra a vida não quer morrer, quer acabar com uma dor”, destacou.

Redes sociais
Elias Lacerda, da Escola da Felicidade, que funciona no Distrito Federal, salientou que o uso excessivo de redes sociais constitui fator de risco, especialmente em tempos de pandemia. “O maior fator de risco para os jovens é o bullying e o cyberbullying. E surgiu uma nova modalidade, agora mais intensa na pandemia, que é o chamado auto-cyberbullying”, apontou. Nessa modalidade, segundo ele, o adolescente cria um perfil nas redes sociais para a auto-depreciação.

Meditação, exercício físico, sono adequado, terapias por meio de artes, resgate da espiritualidade estão entre algumas estratégias citadas por ele para melhorar a saúde mental.

Números no Brasil
Andrea Chaves, da equipe de emergência psiquiátrica do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) do Distrito Federal, afirmou que há uma pandemia em curso envolvendo a saúde mental: “No ano passado mais de 12 mil pessoas morreram [por suicídio] no Brasil, lembrando que esses dados podem ser subnotificados”, observou.

Ela chamou a atenção para a falta de psicólogos e psiquiatras na rede pública de saúde e disse que campanhas de educação devem alertar sobre a necessidade de cuidado da saúde mental. E afirmou que há quatro eixos de cuidado: biológico, psicológico, social e espiritual. “Existem pessoas que cometem suicídio porque não têm comida em casa, então a gente não pode ignorar as questões sociais também”, salientou. Segundo ela, saúde mental não é a ausência de conflitos, mas “a habilidade de dar ordem às situações caóticas por meio da escolha de comportamentos assertivos”.

Leitos psiquiátricos

Coordenador geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Rafael Ribeiro informou que o principal ponto da política do ministério é a ampliação da rede ambulatorial de atendimento, especialmente a ampliação do número de leitos psiquiátricos nos hospitais. “Onde nós entendemos que é o ponto de estrangulamento e precisamos atuar: o atendimento das urgências e emergências e no seguimento das pessoas pós-crise”, disse.

Ele pediu apoio do Parlamento para destinar verbas para a ampliação dos leitos psiquiátricos e para modernizar os hospitais psiquiátricos existentes, e chamou atenção para o baixo orçamento destinado à saúde mental, que representa menos de 2% do orçamento da saúde pública. Segundo ele, a expansão dessa rede ambulatorial complementa o atendimento feito pelos Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro reiterou que há aumento no número de suicídio no Brasil e ligou esse cenário não só aos transtornos mentais como à dependência química: “A gente precisar investir no tratamento de pessoas com dependência química, em serviços de internação, em serviços de base comunitária, em serviços de acolhimento, não cabendo mais ao poder público tratar de maneira ideológica esse tema”, afirmou. Segundo ele, o governo vem atuando nesse sentido.

Ele lembrou que em abril de 2019 foi publicada a lei que instituiu a política nacional de prevenção da automutilação e do suicídio (Lei 13.819/19), que deve ser implementada pelo governo federal em cooperação com estados, Distrito Federal e municípios.

Envolvimento da família
Secretária Nacional da Família Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Ângela Vidal Gandra acredita que a família precisa ser envolvida para a política pública ser eficaz. Ela citou o projeto do ministério “Acolha a vida porque a vida valha a pena”, que disponibiliza vídeos e cartilhas informativas sobre automutilação e suicídio.

“Esse projeto tem três vertentes: conscientização das família; formação de educadores, agentes públicos, sensibilizando-os, não só com informações técnicas, mas para a dimensão afetiva e emocional do ser humano; e a terceira vertente é o sentido da vida, para fomentar em cada ser humano o desejo de viver”, disse.

Dados constantes na cartilha do governo afirmam que, no Brasil, comparando os anos de 2011 e 2017 houve um aumento de 10% na taxa de morte por suicídio na população de 15 a 29 anos. Além disso, os dados demonstram o aumento de casos de automutilação nos últimos anos. No período de 2011-2018, 45,4% das notificações de violência autoprovocadas ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo 67% nas mulheres e 32% nos homens.

Suicídio e racismo
Para Francisco Xavier, da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, o Sistema Único de Assistência Social (Suas) pode atuar na dimensão social do problema e começar um movimento nesse sentido. Ele informou que, durante a campanha de prevenção ao suicídio Setembro Amarelo, neste ano, o ministério disponibilizou curso de ensino a distância para os integrantes da rede de assistência social sobre o tema.

Segundo ele, o suicídio não atinge igualmente todos os grupos populacionais da mesma forma, afetando, por exemplo, a população negra de forma diferente. “Há estudos do Ministério da Saúde apontando como o racismo é fundamental para pensar a questão do suicídio, a questão das autolesões e do sofrimento psíquico”, disse.

Fonte: Agência Câmara de Notícias