Seis hospitais construídos ou reformados pelo governo do estado na gestão Roberto Requião custaram mais do que o previsto e, mesmo assim, foram entregues com graves problemas estruturais, além de falta de funcionários e equipamentos. Em dois deles, o sobrepreço foi superior a 100%. Ao todo, a diferença entre os custos iniciais e reais das seis unidades é de 36% ou R$ 26 milhões – soma que permite construir outro hospital do porte do Regional de Ponta Grossa. Os problemas foram constatados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que avaliou os gastos em saúde nos últimos dois anos de governo (2009 e 2010).

Entre as principais falhas estão a inexistência de critérios técnicos para a implantação dos hospitais; a falta de aprovação de órgãos competentes, como Corpo de Bombeiros e Vigilância Sanitária; e a carência de cronograma para compra e instalação de equipamentos e contratação de servidores. “Os fatos ocasionaram alterações de projetos e serviços durante a execução das obras, culminando na celebração de termos aditivos e prorrogações de prazos”, informa o parecer do TCE, baseado em inspeção realizada entre abril e maio deste ano em oito hospitais escolhidos por amostragem.

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) não consegue estimar quanto será gasto para solucionar os problemas identificados e colocar os principais hospitais em funcionamento pleno. De acordo com o secretário da Saúde, Michele Caputo Neto, o custo vai ultrapassar as dezenas de milhões, levando em conta a realização de concursos públicos e a compra de equipamentos. Contudo, o governo promete colocar todos os hospitais em operação até o fim de 2012 – a exceção é o Centro Hospitalar de Reabilitação Ana Carolina Moura Xavier, em Curitiba, cuja resposta aos problemas deve extrapolar esse prazo.

Conforme Caputo Neto, mesmo tendo conhecimento da situação, a resposta vai levar tempo em função de limitações orçamentárias. “Já concentrei os R$ 10 milhões que recebemos da Assembleia Legislativa para estes hospitais neste ano. Para o ano que vem, mesmo com a previsão de aumento da arrecadação, os investimentos devem começar somente a partir de março”, diz. A Sesa admite que, por se tratarem de reformas ou de novas construções, os hospitais “não poderiam ter sido inaugurados com problemas estruturais”.

Presidente da Comissão de Direito à Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), Sílvio Felipe Guidi lamenta a falta de planejamento. “É uma aventura administrativa construir um hospital sem ter a programação para a contratação da mão de obra e a compra de equipamentos”, critica.

O diretor da Federação de Hospitais do Paraná (Fehospar) Benno Kreisel afirma que a falta de adequação em uma construção fere o bom senso. “Partir do zero e não se adequar é um desastre. É diferente de um hospital antigo não seguir as regras atuais. Cobra-se demais da iniciativa privada, mas não há o mesmo tratamento com o poder público”, reclama.

Divergências partidárias

Nem sempre as relações entre os poderes municipal e estadual são harmoniosas, especialmente se os governantes forem de partidos rivais. Por isso, muitas vezes, construções importantes para a população são barradas em razão dessa disputa política. “Mas se há falta de alvarás dos bombeiros e da Vigilância Sanitária [órgãos estaduais], pode-se descartar uma atividade política e perceber o descumprimento de normas básicas”, afirma Guidi. Por vezes, a vontade de inaugurar algo relevante para a população faz com que os governantes se esqueçam de “detalhes” importantes. “Se construir um hospital ao custo de R$ 1 milhão, o governo vai gastar pelo menos mais R$ 1 milhão para colocá-lo em funcionamento”, explica Kreisel.

Pacientes não têm queixas

Embora os problemas sejam graves, nem sempre os servidores transparecem a situação aos usuários. No Centro Hospitalar de Reabilitação Ana Carolina Moura Xavier, em Curitiba, os funcionários admitem a falta de funcionamento das UTIs e a dificuldade para realizar exames, mas sem se identificarem. Segundo o TCE-PR, somente 12% dos leitos estão funcionando e existem quatro salas cirúrgicas ociosas desde a inauguração, em 2008. “Há problemas de toda a ordem. A única coisa que funciona bem é a parte de fisioterapia”, diz o secretário da Saúde, Michele Caputo Neto. Os problemas foram constatados em uma auditoria feita em abril e maio deste ano pela própria Secretaria de Saúde.

Talvez por esse motivo os pacientes se mostram satisfeitos com o tratamento. “Estou me tratando há um ano e nunca tive qualquer problema. Não tenho motivo algum para falar mal”, revela o supervisor de tubulação José Francisco Bezerra da Silva, 55 anos, que perdeu a perna esquerda em função da diabete. “O atendimento está excelente. Está­vamos no Hospital Cajuru e pedimos transferência para cá”, afirma a autônoma Helena Alves, de 30 anos, que acompanha a recuperação do pai, vítima de um AVC.

A dona de casa Vera Lúcia da Costa e Silva, 43 anos, diz que há pequenos problemas no atendimento em algumas ocasiões, mas eles são pequenos se comparados com os resultados alcançados. “Se existem problemas internos, eles não aparecem para nós”, diz. Já Estela Strapasson, 51 anos, afirma que houve problemas na reabilitação do filho. “Ficamos uma hora aguardando atendimento por falta de equipamentos”, diz.

Outro lado

Ex-secretário diz que problemas são anteriores à sua gestão

De abril ao final de 2010, o médico Carlos Moreira Júnior foi o responsável pela Secretaria de Saúde do Paraná. Ele diz que nos oito meses em que esteve no cargo não inaugurou qualquer hospital e diz ter feito o possível para tentar colocá-los em funcionamento. “Já recebi com problemas. Quando assumi a secretaria, nem médicos havia em Francisco Beltrão”, afirma. A solução dos problemas de mão de obra esbarrou, segundo ele, na burocracia para a realização de concursos públicos.

Apesar de negar ser o responsável pelos projetos arquitetônicos e estruturais, o ex-secretário explica que a construção de um hospital requer cuidado com detalhes fundamentais, que passaram despercebidos pelos engenheiros do estado. “A planta tem de ser diferente”, diz. Contudo, o intuito de construir hospitais regionais deu fôlego à saúde do estado, em sua avaliação. “Se esses hospitais não tivessem sido construídos, a assistência estaria muito pior hoje”, afirma.

Moreira diz ter feito esforços para encontrar soluções para os problemas encontrados nos hospitais. “Eles [os problemas] foram resolvidos na medida do possível. Cabe ao novo governo solucioná-los agora”, diz.

Dos oitos hospitais analisados pelo Tribunal de Contas do Estado, apenas o Hospital de Guaraqueçaba, no litoral, foi entregue na gestão de Carlos Moreira na secretaria (junho de 2010).

Fonte: Gazeta do Povo