Aprovada no final de abril no Senado, mas ainda à espera de regulamentação, a medida provisória que permitirá a tomada de empréstimos ou o refinanciamento de dívidas por hospitais e entidades filantrópicas que atendem pelo SUS (Sistema Único de Saúde), por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), deve representar um “alívio” na saúde financeira das mais de 2,1 mil instituições do País. A dívida total das instituições chega a R$ 20 bilhões.

A medida, no entanto, está longe de ser a “cura” para o problema do deficit financeiro, impulsionado pela defasagem na tabela do SUS, problemas individuais de gestão e ausência de outras medidas mais profundas desde a atenção primária.

À FOLHA, o presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas, Edson Rogatti, considerou a aprovação da medida como uma “batalha” vencida, uma vez que teve uma tramitação “muito demorada”.

“Este é 5% do total do FGTS e está para ser assinado agora, está regulamentado. O presidente sancionou e estamos esperando a CEF definir a parte de SUS, quanto vai ser tudo, ainda neste ano de 2019. É R$ 1 bilhão para a Caixa, R$ 1 bilhão para o Banco do Brasil e R$ 1 bilhão para o BNDES”, explica. Algumas definições importantes, como a taxa de risco que pode ser de zero até 3%, ainda causam preocupação. “E nós não concordamos, estamos discutindo isso com a Caixa”, afirma Rogatti.

Anunciada recentemente pelo Ministério da Saúde e alvo de “tuítes” do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na quinta-feira (27), a linha de crédito deve “emprestar” recursos na ordem de R$ 1 bilhão por ano até 2022 do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para o setor com taxas de juros mais baixas do que as praticadas pelo mercado. “Seja para refinanciarem as dívidas, melhorarem o caixa com capital de giro, ou investirem na ampliação e até modernização dos leitos. Cada hospital vai fazer a sua análise”, lembra Flaviano Veu Ventorim, presidente da Femipa (Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná).

Para Ventorim, a medida é “muito importante”. No entanto, o deficit financeiro tende a continuar existindo se não houver uma revisão mais profunda tanto no manejo dos pacientes, quanto nas expectativas que recaem sobre as entidades filantrópicas. “A linha é extremamente importante, vem ajudar muito, mas precisamos ainda de uma política de gestão que tenha um modelo de escala. Então, nas cidades pequenas, tem que fazer só o pronto atendimento e encaminhar para os hospitais de média e alta complexidade e para isso nós vamos ter que mudar muita coisa”, afirma.

O diagnóstico do endividamento da maioria das instituições aponta para a maior parte formada por “dinheiro virtual”. Só para se ter uma ideia, quase a metade (44%) da dívida dos 65 hospitais filantrópicos filiados à Federação paranaense é formada por juros e empréstimos em bancos.

Ventorim lembra que, em média, a taxa de juros praticada pelo mercado para os hospitais filantrópicos gira em torno de 20% ao ano, de modo que um refinanciamento pelo BNDES nos moldes do financiamento habitacional, hoje entre 7,85% e 9%, como prevê a medida provisória, representa uma “vitória” do setor. “É um baita resultado, dependendo do tamanho da minha dívida. Então hospitais como a Santa Casa de São Paulo que pagam mais de R$ 500 mil de juros por mês, é um baita de um negócio. Mas cada hospital vai fazer a sua análise”, avalia.

Questionado sobre a vontade política do atual governo, avaliou positivamente as intenções do ministro Mandetta. “Eu vejo assim, o ministro Mandetta é médico, tem uma visão muito estratégica do ministério e já se falou em uma política que está sendo preparada para os hospitais de pequeno porte. Estamos ansiosos para que isso saia logo”, afirma.

Ventorim lembra que esse ponto também dependerá da situação de endividamento de cada hospital. “Porque para um hospital que está muito endividado, a taxa de risco dele passa a ser mais alta e é mais difícil conseguir a liberação. Então vamos continuar brigando até que isso seja implementado. Por exemplo, a CEF hoje já tem uma linha Caixa Hospitais e a Caixa tem garantia de recebimento de recursos e ainda assim cobrava uma taxa de juros praticamente comercial, inclusive fomos para cima dessa questão do BNDES para tentar uma taxa aceitável”, lamenta Ventorim.

Em seu Twitter, Bolsonaro afirmou que atenderá a “antigo pleito” das Santas Casas com um “volume quatro vezes maior que o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para o mesmo fim”. No entanto, a equipe do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta não estipulou um prazo para a regulamentação. Segundo apurou a reportagem, deve ficar para o dia 2 de julho, após o retorno da comitiva de Bolsonaro do Japão.

Nem todos devem aderir de imediato

O diretor da Santa Casa de Londrina, Faad Haddad, vê com “bons olhos” a medida provisória que permitirá a tomada de empréstimos ou o refinanciamento de dívidas por hospitais e entidades filantrópicas, mesmo que a iniciativa tenha vindo “tardiamente”. Ele lembra que esteve em sessão no Senado em 2015, quando a discussão sobre uma modalidade de financiamento via BNDES nos moldes dos já realizados ao setor agrícola surgiu.

De acordo com Haddad, a Santa Casa representa cerca de 20% do deficit na tabela do SUS do município de Londrina, que ao todo chega a cerca de R$ 4 milhões por mês. “Não é brincadeira, de R$ 4 milhões, tem aproximadamente R$ 700 mil por mês (de deficit). Tem os outros hospitais aqui da cidade que atendem o SUS também”, aponta.

Haddad sinaliza que a Iscal (Irmandade da Santa Casa de Londrina) está disposta a aderir ao novo modelo. A entidade tem hoje com 330 leitos e realiza cerca de 200 mil atendimentos por ano, sendo, atualmente, cerca de 80% pelo SUS.

Já para Paulo Boçais de Oliveira, à frente do Hospital São Rafael de Rolândia desde janeiro de 2018 e recém-empossado interventor do Hospital Cristo Rei, em Ibiporã, a avaliação sobre a linha de crédito do BNDES também é positiva. “Representa um grande avanço para os filantrópicos”, avalia.

Ele explica que, no caso do São Rafael, em que 92% dos atendimentos são pelo SUS, o deficit mensal gira em torno de R$ 140 mil. Além disso, as dívidas da instituição estão acumuladas em R$ 34 milhões. No entanto, desse valor, cerca de R$ 12 milhões em passivos trabalhistas e R$ 23 milhões em passivos tributários são alvos de um imbróglio judicial. “Como estou discutindo um terço da dívida na Justiça e já ganhei em primeira instância, neste momento nós não faríamos o plano”, afirma.

“Mas precisamos saber, tanto para o Cristo Rei quanto o São Rafael, se cabe essa linha de crédito porque precisa ter as certidões em dia. Agora seria um paliativo pegar esse recurso para reestruturação financeira, colocar as certidões em dia e pagar os financiamentos. Mas como vou pegar R$ 34 milhões em empréstimos se tem algumas coisas que estamos questionando na Justiça?”, indaga. O diretor preferiu não falar sobre a situação do Hospital Cristo Rei, uma vez que assumiu o cargo há menos de duas semanas.

 

Fonte: Folha de Londrina