Há algum tipo de câncer que contribua mais que outros para o agravamento de um quadro de Covid-19? Qual o nível de risco a que um paciente oncológico está exposto em relação ao avanço da doença causada pelo novo coronavírus?  E o tratamento contra os tumores malignos? Que peso exerce na evolução desse quadro? Essas e outras questões ainda sem respostas conclusivas estão no radar de uma pesquisa inédita no país que será desenvolvida pelo Hospital Erasto Gaertner, do Paraná.

O estudo, que vai avaliar pessoas em tratamento no próprio hospital e em instituições parceiras, tem a proposta de fornecer um rico e detalhado panorama sobre a progressão da condição clínica dos pacientes oncológicos com Sars CoV-2, munindo a comunidade médica de informações e dados mais precisos para as condutas terapêuticas.

A pesquisa “Análise prospectiva de pacientes onco-hematológicos com Covid-19 para caraterização do perfil de citocinas plasmáticas, imunológico, cinética viral e fatores de risco para desenvolvimento de Síndrome Respiratória Aguda Grave” focará três grupos distintos acompanhados de forma prospectiva para uma série de testes laboratoriais.

“Vamos avaliar os pacientes com câncer que foram acometidos por Covid-19 e compará-los com os de outros dois segmentos: o formado por pessoas com câncer, mas sem Covid-19, e também o composto por indivíduos com Covid-19, mas sem câncer”, explicou Dra. Jeanine Marie Nardin, farmacêutica assessora científica do Hospital Erasto Gaertner.

Investigadora principal no estudo, ela ressalta que se trata de um trabalho translacional, com a intenção “de trazer a bancada para a beira do leito a fim de ajudar o paciente por meio de uma investigação de alta aplicabilidade, não restrita ao laboratório”.

Tempestade de citocinas em análise

O levantamento vai considerar características fisiopatológicas bem distintas da Covid-19 em relação ao perfil de citocinas, proteínas amplamente reconhecidas como importantes mediadoras da resposta inflamatória. Isso porque, num determinado momento da evolução no organismo da Covid-19, há o que se chama de tempestade de citocina, evento em que ocorre o agravamento do quadro, sendo por muitas vezes fatal.

No indivíduo com câncer, nota-se também o fenômeno da liberação da citocina em decorrência da própria patologia oncológica. No entanto, muitos dos que se submetem à quimioterapia ficam imunossuprimidos, diminuindo teoricamente essa tempestade.

Dessas observações, surgem os questionamentos sobre como os pacientes com câncer enfrentarão a “tempestade de citocinas” provocada por Sars CoV-2. Será que eles teriam um pior prognóstico por apresentar importante imunossupressão ou, ao contrário, seriam “poupados” dessa tempestade justamente por estar com a imunidade comprometida?

“O grande desafio da Covid-19 é aquela piora que se registra entre o sétimo e o décimo dia da doença, sobretudo em relação ao quadro respiratório, com a frequente falta de ar e o comprometimento do estado geral. Esse agravamento parece ser uma reação inflamatória exacerbada. Nosso projeto tem no escopo analisar como é a resposta da citocina diante da infecção pelo novo coronavírus na população oncológica. É uma iniciativa que vai trazer algumas respostas interessantes para identificar os pacientes com maior risco de piora clínica, para que se recorra assim a intervenções mais precoces ou tratamentos mais assertivos”, detalhou o Dr. Hugo Manuel Paz Morales, médico infectologista do Erasto Gaertner e um dos autores do estudo.

Além de compilar os dados de evolução dos prontuários, os procedimentos incluirão testes laboratoriais não rotineiros. Um deles será justamente a dosagem das citocinas, que ficará a cargo de pesquisadores do Instituto Carlos Chagas – Fiocruz-PR, também envolvida no trabalho. Com essa averiguação, será elaborado um painel das mais de 15 citocinas inflamatórias.

Outra frente de ação da Fiocruz consiste na medição da carga viral desses pacientes de modo seriado, a fim de monitorar a presença do vírus – fazendo sua análise molecular –, ao longo do tempo no organismo.

“O Hospital Erasto Gaertner apresenta aos seus pacientes a oportunidade de participar de pesquisa clínica para contribuir com avanços no entendimento das doenças e seus tratamentos. Em plena pandemia, a instituição está inserida na pesquisa, associada a outras de renome nacional, e dispõe de vários estudos. Todo paciente que preenche os requisitos para participar de um estudo recebe com detalhes as informações sobre ele e tem total liberdade para aceitar ou não, sem prejuízo de receber o tratamento padrão em caso de recusa”, enfatizou Dra. Mara Albonei Dudeque Pianovski, médica oncopediátrica e coordenadora do Centro de Projetos de Ensino e Pesquisa do HEG.

Ela reforça que a medicina só evolui com pesquisa bem delineada, que expõe evidências científicas para responder a determinada questão. “E, neste contexto, atualmente temos mais de 60 estudos em andamento, que podem beneficiar os pacientes com câncer oferecendo-lhes a oportunidade de utilizar novos produtos terapêuticos que por vezes são a inovação para a cura.”

Recursos
Visando à obtenção de recursos de financiamento, os autores enviaram o projeto no fim de abril para submissão à banca do edital de fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E os pesquisadores da Fiocruz encaminharam-no, ainda, para apreciação por chamamentos internos da sua instituição.

“Quanto ao resultado dos exames laboratoriais convencionais e rotineiros, já se consegue obtê-lo. Para a análise da citocina e da carga viral, estamos coletando material e congelando-o, pois dependemos de arrecadação financeira para esses dois testes”, disse a Dra. Jeanine Marie.

O Hospital Erasto Gaertner mantém um plano alternativo de captação com a sociedade para garantir a execução do trabalho mesmo em caso de não liberação de verbas governamentais. No site https://covid19.erastogaertner.com.br/, pessoas físicas e jurídicas podem fazer suas contribuições. Trata-se de um canal criado para os interessados em apoiar os trabalhos no hospital, o maior cancer center da Região Sul do país, responsável por mais de 2 milhões de pr ocedimen tos voltados à prevenção, diagnóstico, tratamento, ensino e pesquisa da doença.

Além do Erasto (unidades Guarapuava e Paranaguá), são participantes do estudo o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Hospital Amaral Carvalho (Jaú/SP). A instituição coparticipante, ao lado da Fiocruz/PR, é a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

A proposta é assinada também pelos seguintes profissionais: a farmacêutica Dra. Dalila Luciola Zanette (FioCruz/PR); o biomédico Dr. Mateus Nóbrega Aoki (Fiocruz/PR); a médica infectologista/hematologista Dra. Clarisse Martins Machado (USP/SP e Hospital Amaral Carvalho); a médica hospitalista Dra. Bruna Fornazari (Hospital Erasto Gaertner); e a médica oncologista Dra. Thais Abreu de Almeida (Hospital Erasto Gaertner). E ainda: o médico hematologista Dr. João Samuel de Holanda Farias (Hospital Erasto Gaertner e Hospital de Clínicas UFPR/PR); a médica hematologista Dra. Vaneuza Araújo Moreira Funke (Hospital de Clínicas UFPR/PR); a médica pediátrica Dra. Leisiane Maia Cleve Bittencourt (Hospital Erasto Gaertner e Hospital de Clínicas UFPR/PR); e a professora de Imunologia Clínica Dra. Andréa Novais Moreno Amaral (PUC/PR).

A previsão, segundo o cronograma traçado, é que o artigo trazendo as conclusões da investigação seja publicado em maio de 2022, mas resultados preliminares importantes serão divulgados à medida em que os testes forem feitos.

Ajude o Erasto Gaertner
https://covid19.erastogaertner.com.br/,

Fonte: Hospital Erasto Gaertner