Cansadas de conviver com seguidos sepultamentos de crianças e com o choro de milhares de famílias, um grupo de voluntárias integrantes do Grêmio das Violetas decidiu que era preciso agir. A Curitiba do final do século 19 e início do século 20 sofria com a falta de saneamento básico e de informações para a população. Para se ter uma ideia, em janeiro de 1917, dos 39 óbitos registrados na capital paranaense, 30 eram de crianças. Infecções gastrointestinais eram as causas mais frequentes, seguidas de coqueluche, sarampo e sífilis hereditária. Quando as mães buscavam um médico, geralmente, já era tarde. Só de 1905 a 1917, quase 2,5 mil crianças morreram em Curitiba vítimas de gastroenterite.

O sofrimento era constante. Os enterros das crianças não passavam despercebidos pela sociedade. Diante desse cenário, essas mulheres conseguiram organizar naquele mesmo ano de 1917 a filial paranaense da Cruz Vermelha. Mas o plano do Grêmio das Violetas não parava por aí. O atendimento à infância era a prioridade, especialmente voltado à população mais carente. Dois anos depois, em 26 de outubro de 1919, a semente do que viria a se tornar o complexo hospitalar Pequeno Príncipe, que hoje é referência nacional em pediatria, era plantada em Curitiba. Há 100 anos foi instalado o Instituto de Higiene Infantil, comumente chamado de Policlínica Infantil, na Rua Barão do Rio Branco.

A história, porém, mal havia começado. Por meio de arrecadação junto à sociedade e recursos obtidos com a realização de festivais, foi adquirido em 1922 um terreno na Rua Silva Jardim para a edificação de um hospital para atender as crianças da cidade. Foram oito anos de construção a partir de plantas elaborados pelo engenheiro e então prefeito de Curitiba, João Moreira Garcez. Em 2 de fevereiro de 1930 uma multidão tomou conta do hospital. Era a inauguração da atual sede da instituição, que se tornou pioneira em diversos ramos da pediatria e que consegue ano após ano superar as crises que assolam o ramo dos hospitais filantrópicos Brasil afora.

A escadaria de imbuia, intacta desde os anos 30, rememora os passos daquele se tornou o pai da pediatria no Paraná, César Pernetta, o mesmo que idealizou o soro caseiro e que hoje dá nome ao primeiro prédio do complexo hospitalar Pequeno Príncipe. Coube a ele, juntamente com seus colegas Raul Carneiro e Osíris Rego Barros, cuidarem das três primeiras enfermarias do PP – como também é conhecida a instituição – inauguradas dois anos depois.

No ano seguinte, 1933, foi realizada a primeira grande cirurgia no hospital pelas mãos dos médicos Reinaldo Machado e Oswaldo Farias da Costa. Foi realizada uma laparotomia (incisão para abrir a cavidade abdominal). Sem material suficiente, Oswaldo emprestou equipamentos de outro hospital, a Casa de Saúde São Vicente.

A luta pela sobrevivência
As dificuldades iniciais davam o tom de como seria administrar um hospital ao longo das próximas décadas. Para viabilizá-lo, foi criada, em 1956, a Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro – mantenedora do Pequeno Príncipe, e que realiza diversas ações para sustentar a instituição e mantê-la crescendo gradativamente.

Com perfil filantrópico, o Pequeno Príncipe destina cerca de 70% da sua capacidade para o atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, para tratamentos gratuitos. Porém, hoje os repasses do SUS cobrem apenas uma pequena parcela dessas despesas. Para cada R$ 100 gastos, o SUS reembolsa R$ 60. A conta matemática não fecha. Como manter ativo o único hospital do Paraná que realiza complexas cirurgias em colunas para o público infanto-juvenil pelo SUS? Cada procedimento desses pode chegar a 16 horas.

A solução vem da própria instituição mantenedora, capitaneada desde 1966 pela artista plástica e voluntária Ety Gonlçaves Forte, e que também deixou para a filha Ety Cristina Forte Carneiro a herança de cuidar de um dos maiores hospitais infantis do Brasil. “Ao oferecer um trabalho de grande impacto social, temos reconhecimento da sociedade”, afirma Ety, a filha.

São aplicadas técnicas do mundo corporativo para fazer a gestão da organização não-governamental. Uma das apostas é sensibilizar a sociedade sobre o tema – a saúde de bebês, crianças e adolescentes. Com isso, são firmadas parcerias com o setor privado que contribuem com recursos de forma direta e também se buscam captação de recursos via leis de incentivo para manter o complexo Pequeno Príncipe vivo e atuante.

Em 2018, foram arrecadados perto de R$ 42,5 milhões dessa forma. “Sobrevivemos graças ao apoio dos nossos parceiros”, ressalta Ety, que é a diretora executiva do PP.

No ano de 2018, por exemplo, sem esses aportes o hospital teria somado um déficit de R$ 25 milhões – sem contar cerca de R$ 10 milhões que faltariam para arcar com o Instituto de Pesquisas da entidade.  “Viramos todo ano com a necessidade de captar R$ 35 milhões para continuar existindo. Se não fosse o apoio da sociedade, o hospital já teria fechado”, afirma.

Além disso, o complexo hospitalar recebe repasses dos convênios que no ano passado chegaram a quase R$ 112 milhões – montante que é destinado exclusivamente ao custeio os serviços prestados pelo PP aos atendimentos oriundos dos planos de saúde. “Mesmo com esse valor, o hospital fecharia o ano deficitário”, esclarece Ety.

Relevância
Hoje o complexo hospitalar conta com 370 leitos, sendo 68 de UTIs. Por ano, são realizadas cerca de 22 mil cirurgias pediátricas, além de tratamentos de alta complexidade, como os oncológicos, hemodiálises e transplantes de medula óssea. Vale ressaltar que é a única instituição do estado que realiza hemodiálise para crianças e adolescentes pelo SUS.

É o hospital do Brasil com maior volume de cirurgia cardíaca em bebês até 28 dias – cerca de 60 por ano. Ao todo, são atendidas 32 especialidades médicas e realizados mais de 350 mil atendimentos ambulatoriais por ano, além de 23 mil internações e 250 transplantes. Além disso, o hospital é referência nacional em atendimento psiquiátrico e psicológico em casos de violência doméstica e no atendimento a crianças que moram em aldeias indígenas. No ano passado, o Pequeno Príncipe reduziu a mortalidade infantil na instituição, chegando a 0,59% – em 2000, por exemplo, o índice era de 2,5%.

Histórias do hospital
Com um século de história, não faltam histórias entre os corredores do hospital. Uma delas é a de Irineide Neves, que atua no Pequeno Príncipe desde 1987. Começou no setor de atendimento, passou para a de assistente da área de enfermagem e hoje é enfermeira da UTI Cardiológica. Em meio ao espaço todo pintado com bichinhos e temáticas infantis, para quebrar o branco característico dos hospitais, Irineide carrega histórias tristes e bonitas.

“Nunca vou esquecer de uma criança de três anos que pediu melancia e eu não pude dar devido aos trâmites do atendimento. A criança morreu de meningite e não conseguiu comer o que queria”, conta.  No entanto, outra criança de três anos é motivo de uma amizade familiar há seis anos. Quando a criança foi internada para transplante e permaneceu um ano no hospital, Irineide criou um vínculo com a família tão forte que foi passar as férias na terra natal do paciente, em Maceió.

“Teve também uma situação de um bebê que saiu do parto, foi para a cirurgia e veio para a UTI. Quando chegou, vi a mãe sofrendo e perguntei: ‘você já pegou seu filho no colo?’. Ela não tinha tido contato com o bebê ainda”, relata Irineide.

Outra enfermeira que está desde 1987 no hospital é Romilda Varistelo, que participou do primeiro transplante de rim da instituição em 1989. O paciente tinha nove anos e desde então leva vida normal. “Como a família morava em outra cidade eu praticamente adotei ele enquanto esteve no hospital. Levava para a casa nos finais de semana com a autorização médica. Hoje ele está muito bem”, conta.

 

Fonte: Gazeta do Povo – Diego Antonelli