O prefeito Gustavo Fruet (PDT) sancionou a lei que autoriza a entrada de doulas em hospitais de Curitiba. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Município de segunda-feira (18) com dois vetos à proposta original. Parte do texto que definia que a profissional tivesse certificação ocupacional e curso específico para exercer a função foi vetado. Uma das discussões na Câmara era que as doulas precisariam de formação na área da saúde, já que atuariam dentro do centro cirúrgico.

O segundo ponto vetado pelo prefeito foi a presença das profissionais durante todo o período do trabalho de parto e pós-parto imediato dentro do centro cirúrgico. A proposta original previa que a presença da doula não se confundisse com a do acompanhante, prevista em lei federal. Com o veto, a doula poderá ser considerada acompanhante na hora do parto, não podendo de forma alguma interferir nos procedimentos técnicos.

No início de março, o Conselho Regional de Medicina do Paraná tinha firmado posição de que a finalidade única do ato da doula é o de intermediar o relacionamento a paciente/familiares e o médico durante a gestação, parto e pós-parto., não podendo interferir sobre a atuação técnica ou decisões do médico, preservando a autonomia do profissional médico, conforme explicitado nos princípios fundamentais e direitos dos médicos presentes no Código de Ética Médica vigente, pois se assim procedesse configuraria exercício ilegal da medicina. O entendimento também foi repassado ao prefeito Gustavo Fruet, que também recepcionou posicionamentos dos Conselhos de Enfermagem e Fisioterapia e ainda da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Paraná (Sogipa).

Posição dos vereadores

O autor da proposta, vereador Colpani (PSB), afirmou que com os vetos, o projeto de lei perdeu o sentido. “Ele [o prefeito] acabou com a lei. O objetivo era que as doulas pudessem atuar antes, durante e depois do parto, dentro do centro cirúrgico”, disse. De acordo com o vereador, haverá mais discussão com as profissionais e com a sociedade. “Se é possível ter a presença da doula nos hospitais públicos, por que não nos privados?”, questionou o vereador.

De acordo com o vereador Luiz Felipe Braga Côrtes (PSDB), não houve discussão suficiente sobre o tema dentro da Comissão de Saúde, principalmente pela presença das doulas dentro do centro cirúrgico, mesmo sem ter formação na área médica. “Tentamos fazer emenda para garantir a segurança da gestante, mas não houve espaço. Vamos trabalhar para que os vetos sejam mantidos”, disse.

A proposta original discutida na Câmara Municipal de Curitiba e aprovada em segundo turno no dia 9 de março. Agora, o texto volta para Câmara e as considerações sobre os vetos do prefeito devem ser discutidas nas comissões e em plenário em até 30 dias.

Como ficou a lei

A lei sancionada prevê que hospitais públicos e privados autorizem a presença de doulas no momento do parto de suas clientes e proíbe que os estabelecimentos cobrem a mais por isso. Para ter a entrada autorizada, as profissionais deverão entregar à maternidade um cadastro com dados pessoais, certificado que comprove a realização de curso na área e um termo assinado pela grávida até 15 dias antes do parto.

A doula não poderá realizar procedimentos médicos, clínicos ou de enfermagem, de acordo com a lei. Caso não cumpra a determinação legal, poderá ter seu cadastro cancelado e ser impedido de acompanhar suas clientes. O texto ainda prevê que o descumprimento de qualquer dispositivo pelos hospitais podem gerar advertências, sindicâncias administrativas e denúncias aos órgãos competentes. Cabe ainda aos estabelecimentos hospitalares instituir um regulamento próprio para fazer cumprir a lei.

RAZÕES DE VETO PARCIAL

Confira as razões do veto parcial do prefeito, conforme Lei publicada no Diário Oficial Eletrônico do Município n.º 72, de segunda-feira, dia 18 de abril.

“O ilustre Vereador Colpani apresentou à Mesa Executiva da Câmara Municipal de Curitiba a Proposição n° 005.00106.2015, contendo projeto de lei que “Dispõe sobre a presença de “Doulas” durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, nas maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congeneres, do Município de Curitiba”.

Em cumprimento ao que determina o art. 57 da Lei Orgânica do Município, o Senhor

Presidente do Legislativo Municipal, através do Ofício n° 177/2016-DAP/DCT, encaminhou o respectivo autógrafo para sanção.

Após bem analisá-la, entendi ser necessário apor Veto Parcial incidente sobre os parágrafos 1º e 2º do art. 1º do projeto de lei pelos motivos abaixo explanados.

A Lei em questão indica em seu art. 1º que os estabelecimentos hospitalares, maternidades e casas de parto devem permitir a presença de doulas durante o trabalho de parto, o parto e no período pós-parto imediato, sempre que solicitada pela parturiente, sem vínculos empregatícios com os estabelecimentos especificados.

Em que pese não haver ainda legislação regulamentando a profissão de doula, a Classificação Brasileira de Ocupações enquadra a doula no código 3221-35 indicando que as mesmas fazem parte do grupo de tecnólogos e técnicos em terapias complementares e estéticas, tendo como descrição da atividade a de: “prestar suporte contínuo a gestante no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante”.

Cabe ressaltar também que nossa gestão, reconhecendo de forma pioneira a relevância do trabalho das doulas, implantou junta à Secretaria Municipal de Saúde curso – prático e teórico – de doulas, bem como regulamentou a atuação de doulas voluntárias na Maternidade do Bairro Novo.

A própria Secretaria Municipal de Saúde, em manifestação ao projeto de lei, reconhece a importância do trabalho realizado, porém deixa claro que “à doula não cabe realizar nenhum procedimento médico ou que sua presença não substitui qualquer profissional tradicionalmente envolvido na assistência ao parto”.

Além disso, várias entidades da área de saúde manifestaram sua preocupação em relação à aplicabilidade da lei, apresentando suas razões junto à Administração. Manifestam-se1 contrários a alguns itens da lei o Conselho Regional de Medicina do Paraná – CRM/PR, o Conselho Regional de Enfermagem do Paraná – COREN/PR, a Federação dos Hospitais do Paraná – FEHOSPAR, o Sindicato dos Hospitais do Paraná – SINDIPAR, a Associação dos Hospitais do Paraná – AHOSPAR e a Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná – FEMIPA.

Além da preocupação geral com a aplicabilidade da lei, as entidades destacaram a preocupação com dois pontos específicos: a formação das doulas e a cumulatividade com o acompanhante, de que trata a lei federal.

As doulas também apresentaram sua manifestação2 requerendo a manutenção integral da lei e apresentando dados de estudos que indicam que a presença de doulas “diminui as taxas das diversas intervenções, promove a saúde psicoafetiva da mãe e fortalece o vínculo mãe-bebê”.

Todavia, analisando a lei, sua intenção, bem como as manifestações, entendi, conforme acima indicado, que são passíveis de veto os parágrafos 1º e 2º do Art. 1º, por ilegalidade e interesse público.

Isso porque, o § 1º do art. 1º ao indicar que a desnecessidade de formação em área de saúde, contraria a própria atividade das doulas descrita no código 3221-35 do CBO. Essa atividade deve, para sua atuação, estar firmada nos princípios gerais de atuação daquela classificação, qual seja curso de formação, ainda que não seja graduação, deve ser voltado à área de saúde.

O veto aqui não é contra a atividade, mas é dever vetar normas que sejam ilegais, contrárias ao interesse público e também, no caso, que contenham expressões ou indicações que possam acarretar dúvida ou dupla interpretação na sua aplicação, contrariando o disposto na Lei Complementar nº 95/98, em seu art. 11, inciso I, alínea “a” e inciso II, alínea “c”.

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

I – para a obtenção de clareza:

a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;

(…)

II – para a obtenção de precisão:

(…)

c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;”

A preocupação com a expressão “sem necessidade de formação na área de saúde” não é de que a doula não seja graduada em alguma profissão da área de saúde, mas de que não haja dúvida de que sua formação, ainda que técnica, básica ou complementar seja voltada à área de saúde.

Dessa forma, o veto parcial é no sentido de que se possa verificar a melhor redação, adequando a intenção da norma com uma redação que permita sua aplicação sem dúvida ou dupla interpretação.

Quanto ao § 2º do art. 1º, a lei em questão extrapola a competência municipal, ampliando direito já disposto em lei federal, bem como se imiscuindo em seara na qual a competência legislativa cabe à União e aos Estados.

Isso porque, ao diferenciar a presença das doulas daquela do acompanhante de que trata a Lei nº 11.108/2005, ao mesmo tempo se amplia o disposto na própria lei federal, o que é vedado, bem como legisla na área de saúde, pois trata da presença de mais uma pessoa no estabelecimento de saúde, mais especificamente no crítico centro cirúrgico, junto à equipe obrigatória.

Aqui é salutar a preocupação apresentada pelas entidades, uma vez que a lei não faz distinção entre quais área a doula poderá acessar acompanhando a gestante, e é sabido que o centro cirúrgico deve ter número limitado de pessoas, exclusivamente aquelas que atuarão na eventual cesárea.

Cabe aqui também ressaltar que os centro cirúrgicos e obstétricos podem atender até 3 ou 4 partos simultâneos, o que indica uma maior atenção em relação ao fluxo de pessoas nesse local, visando garantir o melhor resultado possível para todos esses procedimentos.

Face ao exposto, e por entendê-los contrários ao interesse público, bem como necessitarem de melhor adequação para sua efetiva aplicabilidade, aponho meu VETO PARCIAL aos parágrafos 1º e 2º do art. 1º do projeto de lei contido na Proposição n 005.00106.2015, ao mesmo tempo que espero e confio que esta decisão seja mantida pela unanimidade dos ilustres membros dessa colenda Casa Legislativa.

Curitiba, em 18 de abril de 2016.

Gustavo Bonato Fruet

PREFEITO DE CURITIBA

Fonte: CRM-PR com informações da Gazeta do Povo.