Uma das principais discussões envolvendo o setor da Saúde está relacionada aos modelos de remuneração. Hoje, as operadoras de saúde suplementar e o Sistema Único de Saúde (SUS) seguem o modelo fee for service (pagamento por serviço, em tradução livre). Mas, para especialistas do setor, esta não é a melhor ferramenta para o setor.

César Abicalaffe, presidente da 2iM Inteligência Médica e autor do livro “Pagamento por performance: o desafio de avaliar o desempenho no Brasil”, diz que os modelos de remuneração são os grandes responsáveis por tornar um sistema de saúde sustentável ou não. “É a partir do financiamento dos serviços que a assistência ocorre e, dependendo da forma como isso é feito, tendências de excesso (sobretratamento) ou falta (subtratamento) podem ser observados”, esclarece.

Já existe um consenso entre gestores e especialistas da área de que não existe um modelo perfeito. Porém, o fee for service (FFS), na opinião do médico Renato Camargos Couto, diretor da IAG Saúde e cofundador do DRG Brasil, é um modelo que estimula “o consumo de recursos do sistema independentemente do benefício assistencial gerado pela assistência”. “No Brasil, hospitais, SUS, profissionais e operadoras vivem uma grave crise econômica, e a assistência é aquém do que todos desejam. Nesta história, não tem vilão, nem mocinho, somente vítimas. Os recursos são consumidos pelo desperdício determinado pelo modelo remuneratório”, avalia.

De acordo com Abicalaffe, muitos autores falam que o modelo FFS é um “desincentivo à qualidade”, pois quanto pior ficar o paciente, maior é o ganho auferido pelo prestador. “Uma cirurgia simples dentro de um hospital que complica com sepse, por exemplo, pode multiplicar o ganho por 20 vezes. Se o prestador investe em programa de qualidade e segurança e seus pacientes não se complicam, ele recebe menos. É claro que atender bem é uma obrigação, mas os hospitais não recebem nenhum incentivo para a qualidade”, afirma. Na sua avaliação, é preciso mudar a lógica da assistência, e isso deve vir acompanhado, invariavelmente, de uma mudança no modelo de remuneração.

Para Abicalaffe, não adianta, por exemplo, um plano de saúde verticalizar sua assistência ambulatorial ou atenção primária se continuar pagando os médicos por fee for service. “Toda a lógica da mudança no mundo está sendo focada na busca de modelos que agreguem valor ao paciente, isto é, produzam qualidade que realmente importa para este paciente com o menor custo possível. São os modelos baseados em valor. Corresponde a modelos híbridos em que parte do pagamento está vinculada ao valor entregue, e este modelo sempre tende a transferir parte do risco da assistência ao prestador”, indica.

Mas e qual a barreira para se optar por um novo modelo? Renato Camargos Couto é categórico: a desconfiança entre as partes impede a mudança. Segundo ele, em todo o mundo, o que tem acontecido é uma combinação de vários modelos.

“Todos os sistemas de Saúde do mundo usam o Diagnosis Related Groups (DRG) – Grupo de Diagnósticos Relacionados, em tradução livre -, que vem associado a recompensas e punições econômicas pela entrega de valor e resultados assistenciais com eficiência ao paciente. Se conseguirmos entregar resultados assistenciais, haverá redução de desperdícios, disponibilizando recursos para todas as partes. Um estudo que realizamos este ano, o II Anuário de Segurança Assistencial Hospitalar, mostra que 15% dos custos hospitalares foram para pagar falhas de segurança que envolvem todas as partes”, cita.

Para enriquecer essa discussão no Brasil, Abicalaffe sugere que os modelos internacionais sejam utilizados como fonte de aprendizado, pois eles podem ser adaptados para a realidade brasileira. Ele mostra que, aqui, existem graves problemas de sistemas de informação, que há décadas são utilizados apenas para faturamento e não são integrados; e o Brasil não tem a cultura de divulgar os dados para a população, como ocorre em vários países.

“Vários países têm adotado modelos de pagamento baseado em valor. Em abril deste ano foi divulgada uma pesquisa nos Estados Unidos com 120 pagadores com mais de 250 mil vidas. O estudo mostrou que apenas 37% dos pagamentos feitos atualmente estão ainda no FFS puro. A tendência é reduzir para abaixo dos 26% em 2021. Os modelos de pagamento por episódios (Bundles – Leia mais no quadro ao lado) já estão presentes em mais de 1.300 prestadores, cobrindo 48 áreas médicas. A economia conquistada pelos novos modelos de pagamento nos EUA trouxe uma redução média de 5,6%; para praticamente um quarto dos entrevistados, a economia foi superior a 7,5%”, salienta.

Para os dois especialistas, a mudança do modelo de remuneração poderia trazer inúmeros benefícios para a Saúde brasileira. Couto avalia que um novo sistema “trará sustentabilidade pelo aumento da qualidade assistencial e pelo controle de desperdício, oriundo da fragmentação e qualidade do sistema de saúde, que, hoje, não consegue entregar resultados assistenciais”.

E Abicalaffe complementa: “a mudança deverá favorecer um ganho de eficiência; um maior comprometimento e responsabilização pelos resultados; maior transparência entre todos, reduzindo a assimetria de informação; o compartilhamento de risco; e, principalmente, centrar o cuidado no paciente”.

Modelos de remuneração que têm sido utilizados ao redor do mundo

– Pagamento por Performance: os prestadores recebem da mesma forma que recebem atualmente, seja por salário ou FFS. A diferença é que eles têm condições de receber uma parte adicional em relação à qualidade que prestam;

– Pagamento por Episódios (Bundles Payment): o pagamento por condição clínica durante todo um ciclo de cuidado, remunerando todas as necessidades e serviços para a atenção ao paciente com determinada condição clínica. Tudo o que acontecer é de responsabilidade – assistencial e de custos – do prestador.

– Pagamento por Orçamento Global Ajustado: pagamento por orçamento global mensal com base no histórico de pagamentos a este hospital no ano anterior. O pagamento é fixo e independente dos atendimentos. Ajustes são necessários para garantir que não haja o risco de aumento de demanda ou complexidade, comprometendo a saúde financeira do prestador.

– Modelos de Capitação: pagamento por vida assistida numa área de abrangência ajustada pelo risco. Todo o atendimento é prestado, independente do volume e complexidade. Neste modelo, os profissionais/prestadores são responsabilizados pelas escolhas que são feitas aos pacientes e o ganho da eficiência fica todo como prestador.

Fonte: Jornal Voz Saúde