Chega a ser irônico, mas os hospitais particulares e filantrópicos do Paraná se preparam para enfrentar a sua pior crise financeira a partir deste mês justamente por causa da pandemia do coronavírus. “A falência de vários hospitais será inevitável”, lamenta o presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado do Paraná (Fehospar), Rangel Silva. A entidade representa 340 estabelecimentos em todo o Estado. É que com a pandemia e o isolamento social, o movimento na emergência, as internações, as cirurgias, consultas, exames e todos os procedimentos registraram uma queda inédita de até 80% no geral.

A previsão pessimista para o setor é compartilhada pelo presidente da Federação das Santas Casas de Misercórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (Femipa) e do Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Paraná (Sindipar), Flaviano Feu Ventorim: “Temo que alguns hospitais privados não sobrevivam à pandemia, ou se endividem tanto que após tudo isso passar, tenham que encerrar atividades”. Para piorar, no mesmo período, o custo variável das instituições aumentou com a alta de preços dos produtos médicos. Segundo Rangel, alguns hospitais e clínicas do interior do Estado já começaram a demitir.

“O faturamento deve cair 60% a partir deste mês e todos os hospitais já trabalham com déficit. Até o mês passado ainda tínhamos recursos dos meses anteriores, com a queda de movimento em abril, começamos maio com déficit”, diz o presidente da Fehospar. Segundo ele, a taxa de ocupação média dos leitos nos hospitais particulares e filantrópicos que não são referência para Covid-19 está em média em 50%, o atendimento clínico caiu cerca de 60% e as cirurgias eletivas praticamente zeraram. “Vamos passar rapidamente de heróis da pandemia a vilões, porque teremos que demitir, fechar”.

O esvaziamento dos hospitais é sinal que as medidas adotadas para achatar a curva de transmissão da doença vêm surtindo efeito não só para o covid-19 como para todas as doenças infectocontagiosas, além do medo que os pacientes têm de irem ao hospital nesta época com medo de contaminação. “As medidas tomadas no sentido de esperar o melhor, mas se preparar para o pior. A maioria dos hospitais da Femipa no momento opera com taxa de ocupação próxima de 45%, variando um pouco para cima ou para baixo conforme perfil de atendimento”, explica Ventorim. Para ele, com a taxa de ocupação dos hospitais privados tão baixa, a situação financeira é muito complexa já que o custo fixo não pode ser reduzido e o custo variável aumentou em tempos de coronavírus. “A situação é dramática. Um hospital demora em média 60 dias para receber uma conta hospitalar, e comprava a prazo para pagar com 30 dias. Com a pandemia, o faturamento despencou, custo fixo continuou, e o custo variável, em parte diminuiu e em parte subiu, como é o caso dos EPIs explodiu, caso de máscaras cirúrgicas e aventais. Esses itens, além de terem aumentado o preço, agora tem que ser pagos antecipado. Isso prejudicou o fluxo de caixa dos hospitais. Foi solicitado às operadoras uma reanalise dos custos nesse período, mas até o momento não há avanços”, explica o presidente da Femipa e do Sindipar.

A diretora técnica do Hospital São Vicente, a médica Cecilia Vasconcelos, afirma que o movimento no pronto-atendimento caiu 70%, além da redução de cirurgias eletivas. Segundo ela, apesar do medo da população em tempos de pandemia, as pessoas não precisam ter receio de ir ao hospital:  “Há segurança no atendimento e acima de tudo, muitos tratamentos de doenças  não podem esperar.  O hospital não pode parar e nunca parou. Já lá no início da pandemia tomamos medidas estruturais impactantes no sentido de proporcionarmos segurança de atendimento tanto para o paciente quanto para nosso colaborador. O hospital está aberto e apto para tratar tanto os pacientes com doenças não relacionadas à Covid”.

Entidades reclamam da falta de medidas dos governos

As entidades representativas reclamam da falta de incentivos dos governos ao setor. “Não dá para esquecer que somos complementares ao Sistema Único de Saúde (SUS). É preciso prorrogar impostos, flexibilizar a legislação, ou a saúde privada vai sofrer muito. Toda a legislação existente trata as coisas como se estivéssemos em tempos normais, mas não estamos. Estamos em meio a uma pandemia e nós somos serviço essencial, mesmo sendo entidades privadas. Em grandes catástrofes temos que tomar medidas difíceis e é preciso adequar as leis para que no futuro não tenhamos que fechar as portas dos hospitais por causa de ações judiciais de todas as esferas”, reclama o presidente da Femipar e da Sindipar, Flaviano Feu Ventorim.

Segundo o presidente da Fehospar, Rangel Silva, um corte de 30% das despesas inviabiliza um hospital: “Porque prejudica a vocação, que é atender com excelência. E um hospital precisa estar pronto para emergências. De acordo com ele, nem mesmo os hospitais referência para coronavírus receberam os repasses prometidos pelos governos e aqueles chamados hospitais gerais não estão na lista de prioridades neste momento. “Assim como vários setores da economia, os hospitais estão sem perspectivas e sem informações sobre o que vai acontecer”. Ele lembra que no caso da Saúde, o movimento não tem como aumentar depois da época de crise: “Um médico não pode fazer dez cirurgias no mesmo dia, quando a situação normalizar. Vai continuar fazendo três. Ou seja, esse dinheiro de hoje não vai voltar depois”.

Ventorim lembra que a saúde responde por 9,1% do PIB brasileiro e por isso mereceria uma atenção maior: “Seria fácil diminuir atividade e voltar quando a epidemia passar, mas não seria o correto. Hospitais existem para atender a população”, diz.  “Os hospitais são grandes empregadores, que mantêm milhares de empregos em todo país, e têm responsabilidade na geração de economia, mas não têm incentivos como indústria e agricultura”.

Pequeno Príncipe já calcula déficit adicional de R$ 20 milhões para este ano

O Hospital Pequeno Príncipe registrou queda de 70% nos atendimentos de emergência e está com apenas 40% de ocupação dos leitos, e já calculou uma parte prejuízo no período da pandemia. “Uma parte significativa dos nossos procedimentos é coberta pelo sistema suplementar de saúde (convênios), onde temos uma pequena margem operacional. Com a suspensão, estamos estimando um déficit adicional entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões neste ano, além dos cerca de R$ 33 milhões que já acumulamos de déficit anualmente pela defasagem dos preços praticados pelo Sistema Único de Saúde”, alerta o diretor corporativo do HPP, José Alvaro Carneiro.
Aliás, quanto mais especializado, maior será o prejuízo, alerta o presidente da Fehospar, Rangel Silva. Ele lembra que a crise não se restringe aos hospitais e vai impactar em toda a cadeia de saúde, ou seja, laboratórios, exames de baixa e alta complexidade, consultórios.

Fonte: Bem Paraná - Josianne Ritz