Todo mês é a mesma história. A matemática financeira entre receitas e despesas não bate e o Hospital Nossa Senhora Aparecida, o único da pequena São José das Palmeiras, no Oeste do Paraná, cogita fechar as portas. A instituição precisa aproximadamente de R$ 15 mil por mês para continuar funcionando, mas os repasses de atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) totalizam cerca de R$ 10 mil.

Para piorar o déficit, no fim de outubro a Vigilância Sanitária requisitou a modernização da lavanderia e da sala de esterilização, além da contratação de mais enfermeiros. Tudo deve somar mais R$ 1,5 mil aos gastos. A diferença sai do bolso do médico e proprietário do hospital, Miguel Restom Junior, de 35 anos. “Eu consigo arcar com diferença graças a outros investimentos. Mas, se continuar assim, a tendência vai ser fechar”, confidencia. Ele diz só mantém a unidade aberta por paixão à profissão.

Longe de ser exceção, a situação enfrentada pelo médico de São José das Palmeiras é a realidade em grande parte dos hospitais particulares conveniados ao SUS do Paraná. Segundo a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado do Paraná (Fehospar), em média seis hospitais fecharam as portas por ano desde 1993, totalizando 128 casas de saúde a menos, quase todas de pequeno e médio porte. “E não se trata de má gestão, como podem alegar. O problema é financeiro e a tendência dos hospitais menores é desaparecer, infelizmente”, sentencia Benno Kreiser, diretor financeiro da Fehospar.

O Hospital e Maternidade Maeda, de Santa Helena, também no Oeste do estado, enfrenta os mesmos problemas. Tem gastos mensais que beiram os R$ 50 mil e os repasses do SUS chegam só a R$ 22 mil. “A continuidade do hospital é inviável”, confirma o médico Vicente Toyoji Maeda, de 53 anos, dono da instituição que recebe seu nome.

“Não aguento mais castigar minha família. Eu só recebo para cobrir o hospital”, desabafa Maeda. “Meu pai era plantador de café em Rondon. Mesmo com toda a dificuldade, ele continuava a ser agricultor porque era a única coisa que sabia fazer. Comigo é a mesma coisa. Por teimosia ou paixão, só sei ser médico.”

Se as duas casas de saúde fecharem as portas, mais de 33,6 mil pessoas dos municípios de São José das Palmeiras, São Pedro do Iguaçu e Santa Helena serão prejudicadas. E hospitais de cidades vizinhas, como Toledo, Medianeira e Cascavel, podem ficar sobrecarregados.

Último reajuste linear da tabela do SUS foi há 15 anos

O último reajuste dos preços de todos os procedimentos da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) foi feito há 15 anos. O aumento foi de 25% para toda a tabela. Desde então, a inflação acumulada no período passa de 153%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pelo IBGE.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde informa que não planeja reajustar linearmente a tabela nos próximos anos, mas ressalta que atualizou cerca de mil procedimentos entre 2007 e 2014, o que corresponde à metade de todos os procedimentos existentes.

O Ministério diz ainda que a tabela é apenas um valor de referência, já que o estado e os municípios podem incrementar os repasses. Com relação aos hospitais filantrópicos e Santas Casas, a União afirma que os repasses para essas unidades cresceram 57% nos últimos quatro anos, somando mais de R$ 5 bilhões.

A médio prazo, o que poderia aliviar a situação dos hospitais seriam subsídios municipais ou estaduais. A portaria 1606 do ministério estabelece desde 2001 que as duas instâncias podem complementar a tabela do SUS. Em contrapartida, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) afirma que o governo só pode enviar incentivos para hospitais que não visem lucro, como os filantrópicos.

Socorro do HospSUS

Em 2015, por exemplo, o governo do Paraná vai incluir as instituições filantrópicas de pequeno porte no programa HospSUS Fase III, que prevê investimentos em custeio, obras, equipamentos e capacitações para hospitais públicos com menos de 50 leitos. No caso das instituições privadas vinculadas ao SUS, não existe nenhum programa de suporte.

A secretária municipal de Saúde de Santa Helena, Terezinha Bottega, reconhece todos os problemas do sistema, mas alega que a lei não permite suplementar os repasses da tabela do SUS. Explica também que o município já aplica 30% da receita líquida em saúde, correspondente a R$ 15 milhões, focando principalmente na Unidade de Pronto Atendimento da cidade.

“Isso deve ser cobrado dos gestores da União. Enquanto o SUS repassa apenas cerca de R$ 350 para uma cesariana, por exemplo, o procedimento chega a custar para os hospitais da cidade aproximadamente R$ 3 mil. Nós não temos como cobrir isso”, diz. O secretário municipal da saúde de São José das Palmeiras, Eronises da Silva, vai na mesma toada. “Já investimos 26% do orçamento para a saúde. Agora é se virar como a gente pode.”

Para federação, culpa é do SUS e da Vigilância Sanitária

Para o médico e presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (Femipa), Luiz Soares Koury, vários são os problemas que pesam sobre os hospitais, mas dois merecem destaque: repasses anacrônicos do SUS e cobranças onerosas da Vigilância Sanitária.

“Independentemente de ser beneficente ou privada, as instituições de saúde no Brasil operam com déficit financeiro porque, em média, a cada R$ 100 em custos, o SUS só repassa R$ 60”, explica Koury. “Portanto, enquanto o Ministério da Saúde não reajustar a tabela de procedimentos do SUS, a situação de prejuízo dos hospitais permanecerá.”

Outro fardo são as cobranças da Vigilância Sanitária, que, embora importantes para a segurança dos pacientes, são descasadas da realidade e oneram os hospitais. “Quando a Vigilância pede modificações, reformas ou novos equipamentos, é imprescindível que haja recursos públicos disponíveis para tal. Não é possível exigir uma saúde de primeiro mundo com remuneração de países subdesenvolvidos”, sentencia o presidente da Femipa. “As normas precisam acompanhar as condições socioeconômicas das diferentes instituições.”

Vigilância Sanitária diz que vai reformular critérios para licença

O diretor do Centro Estadual de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde, Paulo Costa Santana, rebate as críticas de que as cobranças do órgão seriam descasadas da realidade. “Não posso avaliar a questão do mérito de financiamento e incentivos do SUS. Mas a Vigilância só cobra requisitos mínimos para garantir a segurança dos pacientes”, diz. “Entendemos as dificuldades das instituições em fazer todas as mudanças exigidas. Justamente por isso damos um prazo longo e pedimos que as casas de saúde apresentem um cronograma de readequação.”

Apesar disso, o órgão iniciou neste ano uma consulta aos hospitais para revisar a resolução estadual 321, de 2004, que discorre sobre o roteiro de liberação para licença sanitária dos estabelecimentos hospitalares. O objetivo é atualizar a resolução com novas leis federais e padronizar os critérios com todos os 399 municípios do Paraná. Atualmente, cada cidade estabelece seus próprios critérios, que nem sempre batem com as normas estaduais. As sugestões das casas de saúde não foram divulgadas, mas serão condensadas neste mês. A nova resolução deve ficar pronta até o fim de janeiro.

Porém, Santana adianta que o bojo da resolução será o mesmo. “O que os hospitais precisam fazer é conversar com as fontes pagadoras para definir novos preços. E não cobrar da Vigilância que não exija requisitos mínimos. A lógica tem que mudar.”

Fonte: Gazeta do Povo – Publicado em 13/12/2014 |
Foto: Cesar Machado/Vale Press