A dexametasona ganhou atenção da comunidade científica, profissionais de saúde e da população em geral, depois que a Universidade de Oxford divulgou resultados preliminares de um estudo que mostra benefício na administração do medicamento em pacientes graves da Covid-19. Mas e quais são o uso e efeitos colaterais da dexametasona no tratamento da Covid-19?

Os resultados preliminares da pesquisa britânica apontaram uma redução de mortalidade de 33,3% nos pacientes com Covid-19 em ventilação mecânica, além de uma diminuição de mortalidade de 20% nos pacientes que necessitam de oxigênio, mas que não estão em ventilação mecânica, em um período de 28 dias. Os números foram observados a partir da administração de uma dose de 6mg de dexametasona por via oral ou por via endovenosa 1 vez dia por 10 dias.

Ainda conforme os resultados preliminares, não houve diferença na recuperação de pacientes que não necessitavam de oxigênio. Os dados fazem parte de estudos clínicos randomizados e com grupo de controle dentro do projeto Recovery, da Universidade de Oxford. 

A dexametasona não apareceu sem motivos no rol de medicamentos a serem observados para o tratamento da Covid-19. O médico infectologista Artur Brito, que faz parte do corpo clínico da Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Hospital Santa Paula, conta que já existiam evidências para o uso da dexametasona em Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAGs) – uma infecção aguda no trato respiratório e que demanda internamento. Havia anteriormente uma relação do uso do medicamento em outras infecções pulmonares, levantando a possibilidade dele poder ter algum efeito positivo na Covid-19. Por isso, a dexametasona foi testada.

No entanto, de acordo com Brito, o fato de estudos anteriores à pandemia mostrarem eficiência da dexametasona em SRAGs não implicava um sucesso direto na aplicação nos casos de Covid-19. Na epidemia de Influenza, por exemplo, os trabalhos científicos expuseram que a dexametasona não teve o efeito esperado. Ou seja, o medicamento tinha uma relação com as SRAGs, mas não em todas. 

“Sem dúvida, os resultados preliminares divulgados pela Universidade de Oxford são positivos. Mas é necessário cuidado até publicação dos resultados finais. A Sociedade Brasileira de Infectologia já recomendou o uso da dexametasona, após a divulgação dos dados iniciais. Mas será que o resultado obtido foi pela dexametasona ou poderia ser obtido por outros corticóides?”, pondera Brito, lembrando o que aconteceu recentemente com um estudo publicado na revista The Lancet sobre os efeitos da hidroxicloroquina e que precisaram ser posteriormente revisados. 

“De qualquer forma, os resultados divulgados pela Universidade de Oxford ajudam para um equilíbrio maior na administração de corticóides. Na prática, eles já vêm sendo utilizados nos hospitais. Os resultados serão um equilíbrio entre aqueles que não querem usar e para evitar excessos, pois também há administração de doses muito elevadas”, salienta o médico infectologista, que também é mestrando em tecnologias da saúde pela Unifesp e preceptor voluntário no ambulatório de Infectologia geral e doenças negligenciadas da mesma instituição.

Uso e efeitos colaterais da dexametasona no tratamento da Covid-19  

A dexametasona é um medicamento que faz parte do grupo dos corticóides, cujas principais finalidades são como anti-inflamatórios e imunossupressores. Eles podem ser administrados em casos de infecção e doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatóide. Também pode ser utilizado em pós-transplantes. “São diversos usos, desde os mais comuns e banais até os mais complexos”, explica Artur Brito. 

Como o corticóide pode ser usado em infecções, ele foi testado para a Covid-19, que é a infecção causada pelo novo coronavírus. “É importante salientar que, mesmo se tratando de resultados preliminares, foi deixado bem claro que os benefícios da dexametasona foram verificados em pacientes graves. Nos pacientes leves, não houve benefício. A proposta da dexametasona é controlar a infecção, e não ser um antiviral. Com a dexametasona, você está lidando com a infecção, e não com o vírus”, enfatiza o médico infectologista. 

De acordo com ele, o uso da dexametasona é completamente diferente da cloroquina e da hidroxicloroquina, que no contexto da Covid-19 estão propostos como antivirais. Os primeiros estudos com a cloroquina mostraram que este medicamento seria um antiviral para o novo coronavírus, mas o resultado foi obtido em testes invitro. Conforme Brito, o mesmo resultado não foi obtido em organismos humanos, até o momento.

Os efeitos colaterais da dexametasona que podem impactar no tratamento da Covid-19 são relacionados aos pacientes com doenças crônicas. Isto porque o medicamento pode descompensar a pressão arterial e a insulina, o que causa preocupação em pacientes hipertensos ou diabéticos. A dexametasona possui outros efeitos colaterais, como a possibilidade de causar retenção de líquidos, mas isto aconteceria apenas em uso mais prolongado da droga, o que não foi a situação estudada pela Universidade de Oxford.

Testes da dexametasona no Brasil

O médico infectologista Artur Brito conta que o uso e os efeitos colaterais da dexametasona no tratamento da Covid-19 também são estudados no Brasil. A administração e eficácia do medicamento neste contexto estão sendo acompanhados pelo grupo Coalizão Brasil Covid, formado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital do Coração (HCor), Hospital Sírio-Libanês, Beneficência Portuguesa de São Paulo e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) em parceria com o Ministério da Saúde e com o apoio da empresa EMS.

“A Coalizão Brasil Covid, assim como o Recovery, da Universidade de Oxford, está estudando a dexametasona e os resultados devem ser divulgados até o próximo mês”, afirma Brito. As duas iniciativas também analisam outros medicamentos no tratamento da Covid-19, como azitromicina e hidroxicloroquina.

Para Brito, os resultados preliminares da universidade britânica se tornaram uma boa notícia em um contexto crítico, e devem ser valorizados porque mostram a importância e o valor da ciência. “Isto mostra que o caminho da ciência é gerar esperança para as pessoas. Nos últimos tempos, muitas pessoas se baseiam em discursos mais exaltados no medo do que na esperança. Com rigor científico e um mínimo de tempo, conseguimos produzir esperança também. Foi um bom dia para a ciência também”, opina. 

Fonte: Saúde Debate