“Kit Covid: o que diz a ciência e suas implicações jurídicas”. Este foi o tema em destaque de webinário promovido pelo Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR), com apoio da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD), na manhã de 29 de abril. O evento permitiu ampla analise sobre uso e a prescrição do chamado “kit”, que não encontra respaldo na comunidade científica, mas que, ainda, é aceito sob o alcance da autonomia do médico e do paciente.

O evento foi moderado pela procuradora-chefe do MPT-PR, Margaret Matos de Carvalho, e pelo advogado Nuredin Allan. Entre os palestrantes estiveram o secretário-geral do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Luiz Ernesto Pujol, do presidente da SBI, Clóvis Arns da Cunha e do professor de Direito Francisco Monteiro Rocha Júnior, que representou a APJD. Houve a participação ainda, dentre outros, do reitor da UFPR, Ricardo Marcelo da Fonseca; do coordenador-geral de Fiscalizações do Tribunal de Contas do Estado, Rafael Moreira Gonçalves Ayres; e do Dr. Rogério Luiz Coelho, do Coletivo de Médicos e Médicas pela Democracia.

Em sua fala, o médico Luiz Ernesto Pujol transmitiu aos participantes que os avanços da ciência médica, no momento, acenam com três medicamentos promissores no tratamento da Covid-19: Rendesivir, Caserivimabe e Indevimabe, todos eles monoclonais, que além do alto custo têm indicação restrita a casos específicos e são de uso hospitalar. O conselheiro lembrou que conhecimentos importantes da Covid-19 são advindos de experiência adquirida no tratamento de doentes internados em UTI: intubação tardia, posição prona, uso de corticoides e de anticoagulantes.

De acordo com que ressaltou o representante do CRM-PR, “todos devemos participar das medidas de prevenção, como distanciamento social, higiene das mãos, ambiente arejado, uso de máscara em locais não ventilados e vacinação em massa”. Comentou ainda que o natural desespero e angústia da população decorrentes do grande número de infectados, de óbitos (já são mais de 400 mil mortos no Brasil), falta de leitos hospitalares, insuficiência de medicamentos para intubação e falta de oxigênio, além de campanha intensa sobre um grupo de medicamentos pretensamente efetivo contra a doença pelo SARS CoV-2, disseminaram a procura pelo chamado “kit Covid”.

Como esclarecido pelo secretário-geral, o CFM editou o Parecer de nº 04/2020, onde determina o respeito à autonomia do médico e do paciente frente a tratamentos “off label”, o que inclui o “kit Covid”. Como em todo o tratamento ainda não definitivamente comprovado quanto à sua eficácia, a sua aplicação é da responsabilidade do médico e o uso depende de autorização documental do paciente, isto após ter sido minuciosamente avisado de que é um tratamento ainda não cientificamente aceito e que possui risco grave à saúde. Falou que existem milhares de trabalhos científicos a favor e contra o “kit Covid” e, bem por isso, o CFM nomeou um infectologista e um estatístico que estão analisando esses trabalhos e que o resultado desse estudo balizará o CFM a uma eventual modificação de posição em relação ao “kit Covid”.

Em sua intervenção, o Prof. Francisco Moreira Rocha Junior discorreu sobre o princípio da autonomia do médico, dizendo que essa autonomia é relativa, desde que haja obediência a conhecimento técnico-científicos da área médica e comprovação inequívoca de que tratamentos sejam eficazes. Segundo ele, a autonomia do médico não é absoluta. Quanto à prescrição do “kit Covid”, sob o aspecto legal, incorre em omissão imprópria, ou seja, não garantiu o melhor para a recuperação da saúde do doente. Por fim, assegurou sua opinião de que tratamentos “off label”, cujas pesquisas científicas demonstrem sua ineficácia, devem ser banidos ética e legalmente, sendo obrigação dos médicos a constante atualização nos meios terapêuticos.

Médico da família e atenção básica em saúde, atuando na UBS Bairro Novo, em Curitiba, o Dr. Rogério Luiz Coelho falou como membro do Coletivo de Médicos e Médicas pela Democracia. Relatou que sua associação de especialidade baniu o “kit Covid” e que a sua permissividade tem trazido muito atrapalho e dissabor aos bons médicos. Disse conhecer vários serviços médicos nos quais é prescrito o “kit” e acentuou jamais ter assistido alguém ser informado sobre os riscos dessa terapêutica, muito menos a formalização da assinatura de Termo de Esclarecimento e Consentimento, tudo isso, segundo ele, com autorização do CFM e do CRM-PR. O médico expôs sua estranheza em o CFM contratar dois profissionais para analisarem trabalhos científicos mundiais, sobre tratamento da Covid-19, já que a OMS dispõe de pelo menos 300 experts e que, até hoje, nenhum manifestação a favor do “kit” ocorreu por aquele órgão.

O reitor da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Marcelo da Fonseca, comentou que vivemos em um tempo de negacionismo e de questionamentos da ciência, manifesto por não-médicos e não-cientistas. Definiu cinco afirmações que estão ocorrendo e que têm trazido dissabores à Academia: 1) Negacionismo da ciência através teorias conspiratórias, principalmente dentro do nível acadêmico; 2) Obscurantismo manifesto através meios de comunicação, onde todos têm voz a respeito de tudo e de todos; 3) As universidades públicas reconhecidamente produzem avanços tecnológicos (haja vista a futura produção de uma vacina contra SARS Cov-2 pela UFPR) e que têm representatividade em novas aquisições da ciência, e isso é base para ataques negacionistas e de diminuição de recursos econômicos direcionados às universidades públicas; 4) Existe um alinhamento ideológico quando se determina uma pena de morte ao permitir o uso de um tratamento reconhecidamente ineficaz; e 5) Exaltar a ciência e a universidade pública é uma forma segura de combater a atual pandemia.

O coordenador-geral de Fiscalizações do TCE, Rafael Ayres, relatou que o órgão tem detectado desdobramentos de despesas municipais para aquisição do “kit Covid” e avaliado a efetividade (eficácia+eficiência= efetividade) das gestões públicas no que tange à destinação dos recursos. Ainda, o TCE está atento quanto ao desperdício de verbas públicas na aquisição dos “kit Covid” e sua dispensação sem orientação médica. Disse que o Tribunal tem atuado muito mais como órgão educativo e orientador de normas do que um órgão punitivo, e que não lhes cabe interferir na autonomia dos médicos.

Médico do Trabalho e membro do Fórum Sindical e das Centrais Sindicais, o Dr. Zuher Handas disse ser representante de 2,8 milhões de trabalhadores paranaenses, que diariamente são transmissores de vírus no vai e vem ao trabalho, em conduções superlotadas, necessitando de meios preventivos e tratamentos eficazes. De acordo com ele, não é admissível que o governo federal e o estadual retirem direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras quando discutem o que é, e o que não é, essencial à vida e à economia estatal. Emitiu um périplo para que haja proteção nos ambientes de trabalho, no transporte, na disponibilização de equipamentos de proteção individual e afastamento imediato do trabalho aos doentes e/ou aos comunicantes de Covid-19 e, por último, apelou para que se façam campanhas elucidando aos trabalhadores e trabalhadoras que o “kit Covid” é uma falácia, mesmo que autorizado pelos Conselhos de Medicina. O presidente da CUT-PR, Marcio Kieller, também se manifestou em nome do Fórum Paranaense de Liberdade Sindical.

Procurador do Ministério Público do Trabalho do Paraná, o Dr. Alberto Emiliano de Oliveira Neto enfatizou a dicotomia entre trabalho e saúde, dizendo ser isso uma falácia. Entende que o empregador, seja público ou privado, não tem o direito de impor tratamento precoce contra Covid-19, pois isso induz aos doentes uma falsa esperança. Lembrou que as entidades médicas não podem ser coniventes a tratamentos que ferem a ciência, sob risco de virem a ser representadas juridicamente.

Representante do Paraná na Câmara Federal, a deputada Gleise Hoffmann disse que seu partido político (o PT) tem o assessoramento de dois ex-ministros da Saúde, Humberto Costa e Padilha, no que tange a informações sobre questões como o “kit” e a disponibilidade do número ideal de vacinas contra o SARS CoV-2. Quanto ao “tratamento precoce” propagado pelo executivo federal, em sua análise, comprovadamente ele não tem eficácia e há envolvimento econômico da indústria farmacêutica, o que exige exemplar punição em âmbito nacional, o que será discutido na CPI da Pandemia em andamento no Legislativo.

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Faculdade de Medicina da UFPR, o Dr. Clóvis Arns da Cunha discorreu minuciosamente aspectos que mostram a existência de evidências científicas de que as drogas que compõem o “kit Covid” não são eficazes na prevenção e/ou tratamento de casos de Covid-19. Citou pesquisas de locais com credibilidade em todo o mundo. Comunicou que as sociedades científicas de especialidades voltadas ao tratamento de Covid-19 (infectologia, pneumologia e terapia intensiva), junto com a AMB, baniram definitivamente a prescrição do “kit Covid”.

Professor titular do Instituto de Química da Unicamp, o Dr. Luiz Carlos Dias comentou sua preocupação com o estado devastador de fake news sobre medicamentos, curas milagrosas, efeitos adversos de vacinas, lockdown, uso de máscaras e não necessidade de distanciamento social. Afirmou que o “kit Covid” não só é ineficaz como determina graves efeitos colaterais, tanto pela interação de drogas que o compõem quanto às empíricas dosagens utilizadas, constituindo-se em uma falsa panaceia. Segundo ele, há uma falta de vontade política para o enfrentamento da atual pandemia. Disse que o CFM e seus Regionais têm enorme responsabilidade em conter esse tratamento, desviando-se de interesses políticos e econômicos, ética e legalmente passíveis de punição.

Convidado a fazer o encerramento, já no início da tarde, o secretário-geral do CRM-PR, elogiou o evento e elevado nível das manifestações. Fez suas considerações pessoais sobre maior rigor que se deveria impor a tratamentos sem respaldo da ciência e disse confiar que se o estudo promovido pelo CFM demostrar verdadeiramente a ineficácia do “kit Covid”, o mesmo não se furtará em mudar a posição sobre esse assunto, que, “para mim, passou a ser secundário quando acredito que devemos usar toda a nossa energia à obtenção de um número suficiente de vacinas para proteção de todos os brasileiros.”

Para assistir ao webinário na íntegra, acesse o canal do MPT-PR no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=apBwpvqxnXU

Fonte: Notícias PRT Curitiba, com CRM-PR.