O Código de Ética Médica, contido na resolução CFM 2.217/2018, constantemente vem sendo revisto e atualizado não só para incorporar temas de inovações científicas e tecnológicas, como, também, as novas condutas pertinentes para o exercício da boa medicina, tendo como escopo final o respeito absoluto pelo ser humano, sem discriminação.

Na natureza personalíssima da relação médico-paciente permanece inabalável o princípio da autonomia da vontade do paciente, que foi até mesmo ampliado com relação à decisão do final de vida, assim como a objeção de consciência do médico em recusar, em algumas situações especialíssimas, atender o paciente.

Estabeleceu, então, que o médico, preparado tecnicamente para o seu mister, deve compartilhar com seu paciente os procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados e que serão realizados somente após o consenso entre as partes. No dictum hipocraticum não há nenhuma norma que estabeleça o livre arbítrio do paciente a respeito do procedimento a ser adotado, a não ser a obrigatoriedade do profissional da saúde cuidar do seu bem-estar. Tal regra foi consagrada no Código de Ética Médica, em seu Capítulo I, item II, quando trata dos princípios fundamentais: “O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.

Vale a pena observar que a capacidade de consentir estabelecida no Direito Civil pátrio teve origem no Direito Médico. Miranda, com sua perspicácia doutrinária insuperável, fez ver: “A noção advém do Direito Médico de diferentes países para marcar a linha de limite entre as intervenções médicas praticadas em vista de um ato de autodeterminação do paciente e aquelas praticadas com a assistência ou mediante representação do legalmente responsável pelo paciente. Seu objeto específico é o processo de tomada de decisões sobre os cuidados para com a saúde, globalmente considerados, abrangendo, portanto, não apenas os casos de autorização para participar de pesquisas na área da saúde, mas quaisquer atos de lícita disposição do próprio corpo”.1

A autonomia da vontade do paciente (Pacient Self-Determination Act) não pode, no entanto, ultrapassar as barreiras éticas e morais do profissional da saúde a exigir que, se preenchidas as condições estabelecidas, seja realizado determinado procedimento previsto em protocolo médico, como, por exemplo, o abortamento em caso de gravidez por estupro de uma mulher. Tal hipótese afigura-se como uma causa de limitação da autonomia da vontade, quando o interesse do paciente, mesmo que legítimo, não pode obrigar o profissional da saúde.

Trata-se da justificativa de objeção de consciência. O médico pode se recusar a cumprir determinado preceito legal alegando um imperativo proibitivo de sua consciência, contrariando, desta forma, a vontade do paciente. O próprio Código de Ética Médica, no Capítulo que trata dos Direitos dos Médicos, em seu item IX, assim se expressa: “Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência”.

A prerrogativa é resultante de preceitos morais, éticos, religiosos e até mesmo pessoais que venham a constranger a consciência do médico e não se exige a obrigatoriedade do profissional declinar a causa determinante de sua recusa.

O médico recusante, em razão da objeção de consciência, exerce, na realidade, sua autonomia no âmbito da sua liberdade profissional. Tanto é que não se vê obrigado a prestar serviços que contrariem sua determinação íntima, excetuando-se os casos de ausência de outro médico no local para fazer o atendimento, em casos de urgência e emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos ao paciente.

No caso de abortamento referido anteriormente, no entanto, quando se tratar de hospital devidamente credenciado pelos órgãos públicos e com referência para a prática do procedimento, o profissional médico indicado com competência para tanto não pode suscitar a escusa de consciência, pois, em assim agindo, estará impedindo o direito de uma usuária do SUS – independentemente da idade gestacional – de interromper a gravidez em um serviço público oferecido nos casos indicados em lei. Uma verdadeira contradictio in adjecto.

Nesse sentido prevalece a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1141, que suspendeu a resolução 2378/24 do Conselho Federal de Medicina, que proibia a interrupção de gestações decorrentes de estupro acima de 22 semanas, por meio da técnica de assistolia fetal.

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1 Miranda, Pontes. Tratado de Direito Privado. Introdução: pessoas físicas e jurídicas, atualizado por Judith Martins-Costa… [et al.] Editora Revista dos Tribunais, 2012 (coleção tratado de direito privado: parte geral; 1) p.251.

Fonte: Portal Migalhas