No dia 8 de janeiro foi disponibilizada no DOU – Diário Oficial da União a resolução do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente que define normas para o tratamento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, incluindo a regulamentação do acesso ao aborto permitido por lei nesses contextos. A resolução 258, cuja divulgação tinha sido adiada no fim de 2024, recebeu autorização por meio de uma medida cautelar emitida pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
O Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente desempenha um papel fundamental na elaboração de diretrizes voltadas à proteção e promoção dos direitos da criança e do adolescente. Com base no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conanda busca garantir desenvolvimento harmonioso e seguro para esse grupo da população. Ao se debruçar sobre questões de violência sexual, adota-se uma abordagem holística com intuito de assegurar que todas as crianças e adolescentes tenham acesso a um ambiente seguro, protegidos de todas as formas de violência.
A definição das responsabilidades para lidar com casos de violência sexual contra menores visa assegurar que as vítimas não enfrentem barreiras na busca por atendimento e justiça. Isso inclui a interrupção legal da gestação nos casos previstos em lei, como gravidez resultante de violência sexual ou risco à vida da gestante, com prioridade absoluta e mínima burocracia. Criam-se diretrizes para que os serviços de saúde e proteção ajam de maneira coordenada, tratando esses casos com a urgência que merecem.
Várias definições jurídicas foram formuladas para assegurar um tratamento mais eficaz às vítimas de abuso sexual. Entre essas, inclui-se a descrição clara do que caracteriza violência sexual e institucional, além de procedimentos como escuta especializada e depoimento especial, fundamentais para um acolhimento adequado e a implementação de medidas de proteção. A notificação obrigatória de casos às autoridades também é um aspecto essencial no esforço de prevenção e ação.
As diretrizes também preveem um compromisso claro dos órgãos governamentais em informar a sociedade sobre os direitos das crianças e adolescentes, enfatizando o direito universal à educação sexual e reprodutiva cientificamente embasada. Toda e qualquer forma de união estável que envolva crianças e adolescentes é tratada como uma violação dos direitos humanos, exigindo ação concertada do poder público para prevenir tais práticas.
Frisam-se ainda os princípios fundamentais que devem reger o atendimento a essas vítimas, destacando a igualdade, a não discriminação e o respeito à liberdade de expressão, assegurando o desenvolvimento integral da personalidade dos menores. Esta proteção passa ainda pelo envolvimento de planos nacionais, estaduais e municipais, que precisam garantir o acesso ao atendimento adequado.
A capacitação das equipes envolvidas nos atendimentos é essencial, pois permitirá que os profissionais atuem com competência nos casos de violência sexual. Este aprimoramento contínuo assegura que os direitos e necessidades das crianças e adolescentes sejam entendidos e respeitados durante todo o processo de atendimento e acompanhamento.
Entre as responsabilidades prescritas estão notificar e comunicar adequadamente os casos às autoridades, sem que se imponham obstáculos ao acesso dos direitos de saúde. As diretrizes procuram guiar os envolvidos no sentido de não culpabilizar as vítimas, proporcionando uma escuta respeitosa e oferecendo a elas um ambiente acolhedor e seguro.
Reforça-se que direitos como o da interrupção legal da gestação não dependem de deliberações ou aprovações adicionais, evitando que o tempo ou a inação se torne um impedimento ao exercício desses direitos fundamentais. Assim, a resolução busca erradicar práticas de violência institucional, agindo sempre com base no interesse da criança ou do adolescente.
O reconhecimento de que objeções de consciência não podem sobrepor-se aos direitos dos menores é uma mensagem clara de que o atendimento integral deve prevalecer sobre convicções pessoais. A estrutura montada por esta resolução garante um caminho de atendimento que vai da informação à execução da vontade dos menores, priorizando sempre seu desenvolvimento seguro e saudável.
A resolução abrange também a necessidade de capacitação e sensibilidade às normas jurídicas e éticas voltadas à proteção desses jovens, apresentando um panorama completo de práticas seguras. O enfoque permanece em proporcionar um acompanhamento completo e baseado em direitos, não apenas aplicando normas mas assegurando que o próprio processo respeite a autonomia e a dignidade dos menores.
A norma estabelece um conjunto abrangente de definições legais e procedimentos, como escuta especializada e depoimento especial, para assegurar um tratamento adequado às vítimas de violência sexual, especialmente crianças e adolescentes. Essas medidas visam garantir que as vítimas recebam o acolhimento necessário, que os casos sejam notificados às autoridades e que ações preventivas e protetivas sejam tomadas. Diante desse cenário, é imperativo enfatizar que os direitos das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual devem ser absolutamente respeitados e preservados, sem que dogmas religiosos possam servir de justificativa para a redução ou negação desses direitos fundamentais. Proteger a dignidade e a segurança dessas vítimas deve ser uma prioridade inquestionável, acima de quaisquer crenças ou convicções pessoais.
João Paulo Orsini Martinelli
Advogado Criminalista, Consultor Jurídico e Parecerista; Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra; Autor de livros e artigos jurídicos; Professor.
Fonte: Portal Migalhas