Com a recente aprovação emergencial da vacinação contra a Covid-19 pela Anvisa, uma questão começou a ser alvo de discussão e dúvidas entre os operadores do Direito: a licitude da exigência, pelo empregador, da obrigatoriedade da vacinação dos empregados contra a Covid-19.

Decidiu o STF, em dezembro último, no julgamento das ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879, que o Estado pode determinar que a vacinação da população contra a Covid-19 seja obrigatória, afastando, contudo, medidas invasivas e o uso da força para exigir-se a imunização.

Autorizou a corte, assim, a vacinação compulsória, mas não forçada.

Para o ministro Lewandowski, o Estado é obrigado a proporcionar a toda a população interessada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19. E disse mais: a saúde coletiva “não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão egoisticamente beneficiárias da imunidade de rebanho”.

No mesmo sentido, o voto do ministro Barroso, que defendeu o direito à saúde coletiva e, no particular, das crianças e dos adolescentes, o qual deveria prevalecer sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica, reputando ilegítimo que, na defesa de um direito individual, vulnere-se o direito da coletividade.

O recurso analisado discutia se pais, veganos e contra intervenções médicas invasivas, que teriam deixado de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias, poderiam deixar de vacinar seus filhos menores de idade com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.

Como compatibilizar esse entendimento do STF com o Direito do Trabalho e com os direitos e obrigações oriundos das relações de trabalho, já que a discussão travada não adentrou tal aspecto?

Vacinação obrigatória, em prol da defesa da coletividade, quer implicar, no plano das relações de trabalho, que o empregado tenha de, compulsoriamente, se submeter à vacina contra a Covid-19?
Mais: o empregador pode exigir do empregado a vacinação e a respectiva comprovação? O que ocorre se o empregado decidir não se vacinar, mesmo se alertado a fazê-lo?

É fato incontestável que compete ao empregador a manutenção do ambiente de trabalho sadio, conforme os artigos 7º, XXII, CF, e 159, CLT, aí se incluindo, em tempos de pandemia de Covid-19, o fornecimento de EPIs, como álcool em gel, máscaras etc.

Estariam as vacinas inseridas nessas medidas de prevenção, podendo o empregador exigir a vacinação contra a Covid-19 como condicionante ao retorno ao trabalho presencial, por exemplo?
Pode um empregado ajuizar uma ação buscando a responsabilidade direta do empregador, no caso de eventual contaminação da Covid-19 na empresa, ao argumento de que o empregador absteve-se de adotar medidas de prevenção, como a exigência da vacinação compulsória dos empregados?

Por outro lado, pode o empregado alegar discriminação caso não venha a ser contratado por fazer parte da política da empresa a exigência do certificado de vacinação contra a Covid-19?

Ou, ainda, pode um empregado questionar a aplicação de penalidades, ou mesmo de dispensa motivada, em virtude de não se submeter à vacinação obrigatória?

Até que ponto vai o direito do empregado em não querer se vacinar e mesmo assim obter um emprego numa empresa que exige a vacinação ou, ainda, mantê-lo, em relação ao dever da empresa de zelar por um ambiente de trabalho hígido e sadio, fazendo uso, para tanto, da exigência da vacinação?

É o empregador o detentor dos meios de produção e do poder diretivo, quanto à organização das normas do trabalho, exigências para a contratação e manutenção dos empregos, política de aplicação de penalidades, incluída aí a aplicação de justas causas, entre outros.

Tais normas, presentes no regulamento empresarial ou mesmo num instrumento de compliance, são válidas desde que não importem em abuso de direito.

Nesse sentido, parece razoável admitir que o empregador possa exigir a vacinação dos empregados, com a apresentação do certificado de vacinação, sob pena de adoção de medidas disciplinares que, ao final, poderão importar em eventual justa causa de indisciplina ou insubordinação.

Na esteira do que o STF entendeu no julgamento realizado em dezembro, o Estado pode impor restrições a quem se recusa a ser vacinado, como limitação de circulação, restrição de acesso a eventos e a escolas públicas etc.

Mutatis mutandis, por que não poderia o empregador impor restrições a seus empregados, como forma de garantir a saúde de todo o coletivo de trabalhadores na empresa?

Não se está a defender aqui, assim, a vacinação forçada, que foi rechaçada pelo STF, mas a restrição de direitos a empregados que se recusam à vacinação obrigatória.

Nesse particular, vale ressaltar que a exigência do certificado de vacinação não é novidade, uma vez que a Portaria 597/04, do Ministério da Saúde, para o fim de contratação trabalhista, já autorizava “as instituições públicas e privadas a exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III (artigo 5º, parágrafo quinto)”.

Seguindo o mesmo norte, a Lei nº 13979, sancionada em 6/2/20, já estabelecia no artigo 3o, III, a compulsoriedade de vacinação e outras medidas de saúde pública com o objetivo de enfrentamento da pandemia.

O próprio artigo 158, parágrafo único, da CLT prevê que o empregador pode penalizar o empregado que se recusa a utilizar EPIs, norma que, por analogia, pode ser utilizada àquele que se recusa à vacinação, uma vez que busca proteger o meio ambiente laboral e a coletividade de trabalhadores.

Assim, se o empregado escolhe não se vacinar, terá de arcar com o custo de sua escolha.

Obviamente, há de se ponderar que poderá haver empregados que, por questões pessoais médicas (exemplo: gestantes, lactantes, portadoras de doenças autoimunes etc.), não poderão se vacinar — e aí não há como prevalecer a exigência da vacinação.

Igualmente, outras situações podem ocorrer que excepcionem a regra geral, mas são exceções, que serão analisadas caso a caso, e não têm o condão de invalidar a regra geral.

Porém, vale observar que a questão posta não tem unanimidade entre os operadores do Direito, sendo deveras polêmica, notadamente porque entendem os defensores da corrente contrária que há colisão entre o direito individual do empregado de não se vacinar e o direito/dever do empregador de estabelecer a política de adoção de medidas de prevenção e combate ao contágio de doenças, em especial da Covid-19, havendo aí equivalência de direitos.

Nada obstante, a questão posta envolve a utilização de ponderação, bom senso, razoabilidade, sem menosprezar a questão da saúde pública, interesse coletivo, e respeito a políticas empresariais e ao poder diretivo de que é dotado o empregador, guardião e responsável por manter ambiente de trabalho seguro e sadio.

Nunca foi tão importante pensar no coletivo, mais do que no individual.

Uma boa saída seria a formalização de acordos ou convenções coletivas no particular, regulamentando a matéria, como muitos sindicatos e empresas já fizeram à época da pandemia, para regular questões controvertidas, além de amplas campanhas de conscientização pelo empregador.

Talvez dessa forma possa haver uma maior segurança jurídica sobre o tema, impedindo a judicialização da matéria, porquanto, com o início da vacinação no país, empregados e empregadores se verão, cada vez mais, frente a frente com essa questão.

Texto de opinião publicado por Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert na Revista Consultor Jurídico