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Além da linha de frente: conheça os profissionais essenciais nos bastidores dos hospitais de Curitiba

A reportagem do Bem Paraná conta as histórias de trabalhadores que atuam nos hospitais Pequeno Príncipe, Nossa Senhora das Graças e Evangélico Mackenzie

Foto: mrsiraphol/Freepik

Você provavelmente já precisou de um serviço hospitalar, seja público ou privado. Embora os holofotes estejam sobre os médicos e enfermeiros na linha de frente, existe um grupo essencial de trabalhadores que mantém o funcionamento desses espaços: os que atuam nos bastidores. Entre limpeza, segurança e serviços gerais, essas pessoas dedicam décadas de suas vidas ao ofício hospitalar, com uma paixão que transcende as dificuldades diárias.

A reportagem do Bem Paraná percorreu os bastidores dos hospitais Pequeno Príncipe, Nossa Senhora das Graças e Evangélico Mackenzie para conversar com alguns desses profissionais, cuja rotina, muitas vezes despercebida pelos pacientes, é crucial para o funcionamento e a segurança hospitalar.

Aliados à Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná, a Femipa, esses hospitais têm um papel crucial na saúde pública do Paraná. As unidades filantrópicas realizam mais da metade dos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado e são responsáveis por cerca de 70% dos procedimentos de alta complexidade.

A porta de entrada do hospital pediátrico

O chileno Miguel Romero conhece todos os compartimentos do Hospital Pequeno Príncipe, o primeiro exclusivamente pediátrico da América Latina, que possui 369 leitos. Durante o expediente de oito horas, o segurança fica em quase todas as áreas do hospital. Isso porque ele precisa substituir os colegas de trabalho quando necessitam ir ao banheiro.

Mas é no prédio histórico César Pernetta que Miguel passa a maior parte do tempo, recepcionando e se despedindo de pacientes, acompanhantes e visitantes. Há 15 anos trabalhando no local, ele conta que seu ofício vai muito além de repassar informações, e ele busca ajudar os acompanhantes dos que estão internados, sempre com palavras positivas.

“Bom dia! Hoje vai ser um ótimo dia, tudo já deu certo!” Estas são as frases que Miguel mais fala ao cumprimentar as mães dos pacientes, especialmente quando está assumindo o posto da UTI. Sua postura amigável faz jus à simplicidade de sua função, pois, ao contrário de muitos profissionais da área, ele trabalha apenas com um rádio de comunicação, sem o uso de armas ou spray de pimenta.

Quando há situações em que os pais das crianças ficam nervosos por conta de demora ou qualquer outro motivo, Miguel resolve tudo por meio do diálogo. Para ele, saber se comunicar com calma é o requisito crucial para exercer o ofício de segurança do hospital.

Além de ter jogo de cintura para lidar com as situações difíceis, Miguel sabe conversar com todo tipo de gente – até mesmo com os estrangeiros. Quando chega alguma família de outra nacionalidade, é ele quem atende: o chileno fala espanhol – sua língua nativa –, português, francês e inglês.

Formado em Fisioterapia, Miguel inicialmente entregou seu currículo com o objetivo de atuar na área. No entanto, dois dias depois, recebeu um convite inesperado para trabalhar como segurança e, prontamente, aceitou, na esperança de que uma vaga na fisioterapia surgisse no futuro.

Embora não tenha conseguido atuar em sua área de formação, Miguel encontrou seu propósito no ofício de segurança. Ao longo de seus 15 anos de trajetória no hospital, ele já presenciou diversas histórias de superação, vendo crianças se recuperarem e voltarem para casa, mas também acompanhou de perto o luto de pais que perderam seus filhos.

Um trabalho essencial no combate às infecções hospitalares

Edith Rodrigues, de 50 anos, dedica-se à limpeza das poltronas utilizadas pelos pacientes em tratamento de quimioterapia no Hospital Nossa Senhora das Graças. Ao término das sessões, ela cuida minuciosamente de cada assento, certificando-se de que tudo esteja devidamente higienizado. Embora sua função principal esteja centrada na oncologia, a auxiliar de limpeza fica à disposição para executar tarefas em outras alas do hospital.

A limpeza que realiza, já criteriosa em seu cotidiano, torna-se ainda mais meticulosa na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal. Contudo, independente do setor, a higienização é essencial no combate às infecções hospitalares – aquelas que surgem após a internação, geralmente nas primeiras 72 horas ou até mesmo após a alta, associadas aos procedimentos realizados.

Na UTI, por exemplo, o risco é de infecção cruzada, que ocorre quando há vários pacientes na mesma ala, o que favorece a transmissão de microrganismos entre as pessoas internadas. Além da UTI, um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) demonstrou que a maior prevalência de infecções ocorre em enfermarias cirúrgicas e alas de ortopedia.

As infecções hospitalares, além de elevarem significativamente a taxa de mortalidade, também impactam os custos da assistência à saúde. Um estudo divulgado pelo Ministério da Saúde mostrou que as despesas diárias de um paciente com infecção hospitalar são 55% maiores em comparação às de quem não apresenta infecção.

No Brasil, a Agência  Nacional  de Vigilância em Saúde (Anvisa) é responsável por coordenar as ações de controle das infecções. Hospitais das redes pública e privada são obrigados a notificar a agência sobre a ocorrência de casos. Além disso, estados e municípios devem implementar medidas de prevenção e controle.

Se o ritmo de trabalho para quem atua na área de higienização já é intenso em dias normais, durante a pandemia de Covid-19, a frequência de limpezas aumentou drasticamente, o que, nas palavras de Edith, fazia parecer que estavam vivendo “em um mundo diferente”. Para ela, esse esforço redobrado evidenciou ainda mais a importância do serviço de higienização no funcionamento do hospital. “Sem nós, nada vai pra frente. O médico não pode fazer uma cirurgia sem o nosso trabalho. Então, a parte da higiene é essencial”.

Mais de duas décadas dedicadas à higienização

Aos 72 anos, Rosária Demari continua desempenhando um papel vital no Hospital Pequeno Príncipe. Trabalhando na higienização há 25 anos, sua rotina, embora silenciosa aos olhos de muitos, é fundamental para a segurança de pacientes e profissionais.

A profissional começou sua jornada no hospital na UTI neonatal, um dos setores mais delicados. Cuidar da limpeza de um ambiente que lida com bebês prematuros exigiu dela não apenas técnica, mas também muita resiliência emocional. “No meu primeiro dia de teste, vi um bebê falecer e acabei desmaiando”, relembra.

Com o tempo, ela se adaptou ao ambiente, aprendendo a lidar com o sofrimento das famílias e, ao mesmo tempo, garantindo a limpeza em locais de maior vulnerabilidade. “Eu tinha muito medo de limpar perto das incubadoras, ia de gatinho por baixo delas, com medo de machucar os bebês”, comenta.

Ao longo dos anos, Rosária passou por outros setores, incluindo a oncologia infantil e a urologia. Na oncologia, o impacto emocional foi ainda maior. “Víamos o sofrimento das crianças todos os dias, e muitas vezes eu chorava escondida no banheiro. Perguntava a Deus por que aquilo acontecia com elas”, relembra emocionada. Ela se afeiçoava às famílias, testemunhava batalhas difíceis e, ao mesmo tempo, se orgulhava de seu trabalho: “Era gratificante quando as mães saíam com seus filhos curados e deixavam elogios para nós”.

Trabalhando no hospital há mais de duas décadas, Rosária passou por momentos marcantes, como a vez em que foi orientada a caprichar na limpeza de um quarto onde ficaria o filho de um médico. Ela, no entanto, manteve sua postura de igualdade: “Eu disse que tanto fazia se era o filho de um médico ou de um mendigo, o meu capricho seria o mesmo”. Sua dedicação e ética no trabalho sempre foram reconhecidas pelos colegas e superiores.

Hoje, trabalhando no vestiário, a profissional reconhece as especificidades na higienização de cada setor. A limpeza da UTI neonatal exigia produtos mais potentes para desinfecção e um cuidado constante com as bactérias. Já no vestiário, a rotina é mais simples, com água e sabão. “Há uma grande diferença entre os dois ambientes, tanto pelos produtos que usamos quanto pela rotina. Na UTI, eu trocava de luvas e panos a cada área limpa, já no vestiário, é mais direto, mas ainda assim, exige atenção”, explica.

Apesar da idade, Rosária não pensa em parar. Trabalhar em feriados como Natal e Ano Novo, para ela, é apenas parte do ofício. “As meninas que estão começando falam que é difícil, mas eu digo que, uma vez que você está aqui, não tem isso de pensar que é Natal ou domingo. Você cumpre o horário e faz seu trabalho”, diz ela, com a experiência de quem já viu muitas gerações passarem pelo hospital.

Questionada sobre sua maior motivação para continuar, Rosária responde sem hesitar: “A carinha das pessoas quando eu chego de manhã, o ‘bom dia, dona Rosária’, isso me dá força para seguir”. Para ela, a higienização não é apenas uma tarefa; é uma missão. “Tudo tem que ser bem feito, porque uma limpeza malfeita pode trazer bactérias para os pacientes. E eu sempre penso nisso quando estou limpando, seja um banheiro, um quarto ou a sala de descanso.”

Rosária também relembra momentos emocionantes que viveu com pacientes. Um deles foi o reencontro com Giovane, um paciente que ela cuidou ainda criança e que, 20 anos depois, a encontrou novamente no hospital. “Ele chorava de emoção ao me ver, achou que eu tinha morrido. Fiquei muito tocada”, conta. Momentos como esse reforçam para ela a importância do seu trabalho, não apenas na higienização, mas no impacto humano que causa.

Agora, com 72 anos, Rosária diz que só Deus sabe até quando continuará trabalhando. “Enquanto eu estiver bem, seguirei aqui. Não penso em parar. Esse trabalho é a minha vida”, conclui, com um sorriso de quem nunca perdeu a paixão pelo que faz.

A experiência de uma ‘‘hospedagem de hotel’’ durante o internamento

No oitavo andar do Hospital Evangélico Mackenzie fica a ala destinada aos pacientes com convênios médicos. Diferente das enfermarias coletivas do hospital, a área conta com quartos individuais, projetados para oferecer mais conforto e privacidade. O espaço atende pacientes com diversos quadros clínicos, mantendo um ambiente diferenciado em relação às demais alas daquele hospital, que é referência em queimaduras, gestação de alto risco e transplante de órgãos.

Elisabeth Fressato, funcionária do hospital há 13 anos, tem uma rotina bem definida: todos os dias, ao começar o expediente, ela visita os quartos dos pacientes com convênio para verificar se precisam de algo. Sua função faz parte do serviço de hotelaria hospitalar, um termo que ela desconhecia antes de trabalhar no hospital. O ofício tem como principal objetivo criar uma experiência mais confortável para o paciente internado, semelhante ao tratamento oferecido em hotéis.

O trabalho da hotelaria hospitalar inclui desde orientações básicas sobre o uso do quarto, como conectar-se ao wi-fi, ajustar a temperatura do ar-condicionado, TV e outros equipamentos, até detalhes mais sutis, como ajustar a iluminação para criar um ambiente mais acolhedor. Elisabeth faz questão de garantir que tudo esteja em ordem para que o paciente se sinta bem recebido e menos impactado pelo ambiente hospitalar.

O setor de hotelaria do Mackenzie conta com 32 profissionais que trabalham para assegurar o conforto dos pacientes tanto na ala de convênio quanto nas enfermarias que recebem os pacientes vinculados ao SUS.

Na ala de convênio, são distribuídos diariamente em média 40 kits de higiene. O serviço prestado pela equipe inclui a preparação dos quartos para a chegada de novos pacientes, com a higienização e organização do espaço. A troca de lençóis, por exemplo, é feita pela equipe de limpeza do hospital, que segue um protocolo específico, especialmente em casos de pacientes com doenças contagiosas.

Quando é identificado um caso de contaminação, o protocolo de segurança é reforçado. Uma placa de advertência é colocada na porta do quarto, e apenas profissionais devidamente equipados com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) podem entrar no ambiente, seguindo as recomendações da Anvisa.

Fonte: Isabelle Gesualdo | Bem Paraná