O ano de 2024 se encerra com sinais mistos para o setor de saúde no Brasil. Enquanto a saúde privada mostra algum fôlego financeiro, registrando um lucro líquido de R$ 5,6 bilhões no primeiro semestre, a sustentabilidade do sistema continua sendo um desafio estrutural. Na saúde pública, os problemas crônicos, agravados pela pressão tecnológica e orçamentária, demandam novas soluções. Com a chegada de 2025, o debate se intensifica: como equilibrar inovação, eficiência e qualidade em um cenário de recursos escassos?

Déficit na saúde persiste

Apesar de positivo, o resultado da saúde privada não foi excelente frente ao volume das despesas de acordo com a análise de José Cechin, superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).

“No cômputo geral, o que importa não é o resultado líquido, mas o resultado operacional, que foi pequeno, apesar de positivo (R$ 2,4 bilhões)”, comenta. Já a saúde pública continua a enfrentar os desafios que perduram por anos e que parecem se agravar com a chegada de novas tecnologias. Neste cenário, é possível falar em avanços quando o assunto é discutir sustentabilidade?

“Se pensarmos em sustentabilidade financeira, continuamos com déficit tanto no setor público quanto no privado. No setor público, há cada vez mais necessidades e demandas, e pouca verba para fazer frente a elas. No setor privado, as receitas se mostram insuficientes frente aos serviços prestados”, analisa Ana Maria Malik, professora titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).

Mario Vasconsellos, líder da prática de saúde da Accenture, avalia que a busca por um sistema de saúde financeiramente sustentável deve ir além das estratégias de redução de custos; ela exige uma mudança cultural nas práticas. “É necessário adotar uma abordagem estratégica, com foco na otimização de processos, gestão eficaz de custos, investimentos em tecnologia e ênfase na prevenção.”

Segundo ele, a expectativa é de que para o ano de 2025 o setor de saúde aumente os investimentos que farão frente à redução de desperdícios e aos avanços tecnológicos. “Otimizações nos principais processos das empresas devem ser realizadas no próximo ano e já trarão benefícios financeiros em 2025.”

Sustentabilidade na saúde pública: cenário para 2025

Vasconsellos explica que governos têm intensificado os investimentos no setor, com o objetivo de fortalecer os sistemas de saúde e garantir acesso universal a cuidados de saúde de qualidade.

“É fundamental implementar sistemas de gestão eficientes para otimizar o uso de recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos, visando à redução de custos e à melhoria da qualidade dos serviços de saúde. A adoção de tecnologias inovadoras também é crucial. Ferramentas como a telemedicina, prontuários eletrônicos e inteligência artificial podem otimizar processos, diminuir custos e aprimorar a qualidade da assistência. Além disso, é essencial combater o desperdício de recursos, como medicamentos, insumos médicos, energia e água, promovendo uma utilização mais eficiente dos recursos disponíveis”, avalia.

Na opinião de Tacyra Valois, CEO do Colégio Brasileiro dos Executivos em Saúde, o alcance da sustentabilidade na saúde pública passa pelo fortalecimento da gestão municipal para que um melhor atendimento seja oferecido à população, aumentando a assertividade nos investimentos e resultados para o cidadão.

Saúde privada: novos e velhos desafios em 2025

Pouco se avançou, em 2024, em alternativas e propostas para que de fato a sustentabilidade do setor seja a principal pauta a ser discutida por todos os atores do sistema de saúde, segundo Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp),

Os hospitais, conforme dados da Anahp, registraram, em 2024, uma taxa de ocupação melhor do que nos últimos quatro anos, e graças às medidas de ampliação de eficiência devem conseguir um EBITDA igual ao dos últimos anos.

“Isso mostra que não existe um problema econômico nos hospitais; a questão é financeira. Essas instituições não estão conseguindo receber pelos serviços que oferecem porque as operadoras de saúde adotaram políticas que ampliam enormemente o prazo de pagamentos aos hospitais. É preciso haver um ponto de equilíbrio.”

Por outro lado, Cechin aponta ainda os desafios que as operadoras continuarão enfrentando no ano que se aproxima, como a judicialização, que introduz incerteza no setor ao reduzir a capacidade de previsibilidade.

Ouro ponto apontado por ele é o desperdício não visível e a incorporação de novas tecnologias. “O futuro ainda é incerto, mas o que sabemos com quase total certeza é que a despesa per capta média com saúde vai crescer – essa é uma realidade em todo o mundo. Com isso, pessoas e empresas terão que readaptar sua cesta de consumo, pois as novas tecnologias custam caro.”

Leonardo Rosa, pesquisador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e um dos autores da pesquisa “Setor Privado e Relações Público-Privadas da Saúde no Brasil: Em Busca do Seguro Perdido, aponta a necessidade de se discutir mecanismos de seguro de saúde robustos.

Atualmente, diz ele, a fragmentação das carteiras de planos resulta em reajustes baseados em grupos pequenos de beneficiários, o que limita a eficiência do sistema e a proteção contra riscos inesperados.

“Os produtos disponíveis atualmente no mercado são muito mais próximos de mecanismos de financiamento de gastos do que de seguro propriamente dito. Esse modelo, além de não ser bom para os usuários, também não parece saudável para a sustentabilidade financeira das empresas. Seria importante buscar mudanças nesse sentido, como aprimoramento no mutualismo e adequações na legislação de planos individuais.”

Outro ponto destacado por Rosa é a existência de zonas cinzentas na regulação de novos modelos de negócio. “Estratégias verticalizadas das operadoras e prestadores e/ou produtos como cartões de benefícios de saúde têm surgido como alternativas, mas muitas vezes carecem de regulamentação adequada, representando potenciais riscos para os usuários. Esses modelos, se não monitorados e estruturados corretamente, podem comprometer a qualidade e a equidade no acesso aos serviços de saúde.”

Por último, os gastos tributários com saúde, ou subsídios, destaca ele, também merecem atenção. “Trata-se de um tema complicado, mas que compromete razoavelmente a receita do governo central. Seria de suma importância discutir esses gastos, inclusive para garantir recursos ao Sistema Único de Saúde (SUS).”

Tecnologias e seus impactos para um setor mais sustentável

A inovação tecnológica divide-se em dois grupos para os sistemas de saúde: inovação para serviços e inovação para planejamento/gestão de saúde. Aquelas voltadas para o desenvolvimento de terapias mais eficientes ainda são vistas como um desafio para a sustentabilidade do setor, devido aos seus altos custos, como pontuou Cechin. Mas elas são uma realidade.

Assim, exige-se, segundo Ana Maria, um trabalho minucioso de avaliação de tecnologia, definindo o que é a tecnologia e quais as que valem ser incorporadas e quais apenas aumentam custos sem trazer resultado e sustentabilidade ao setor.

A busca incessante pela inovação gera desafios. Muitas vezes, produtos tecnológicos substituem alternativas tradicionais que já eram funcionais, introduzindo custos mais elevados sem, necessariamente, proporcionar benefícios proporcionais.

Na opinião de Rosa, a inovação tecnológica, apesar de essencial, deve ser acompanhada de uma abordagem cautelosa, baseada em evidências robustas e consolidadas. “No âmbito da saúde pública, em particular, a adoção de novas tecnologias precisa ser rigorosamente fundamentada em dados que demonstrem impacto positivo para a população. Mas vale dizer que essa cautela se aplica tanto ao SUS quanto ao setor privado, reforçando a necessidade de governança sólida para o sistema de saúde.”

No âmbito da gestão, a CEO do CBEXS acredita que o momento exige uma nova lógica de pensar a saúde. “Um dos focos centrais é a necessidade de uma política de Estado transversal e um planejamento e monitoramento de longo prazo baseados nos dados de saúde e não na lógica da doença.”

Para Tacyra, é hora de atualizar o modelo de assistência à saúde e mudar o foco dos investimentos, potencializando o poder da promoção e prevenção em saúde e a gestão de riscos. “É tempo de utilizarmos os dados reais, as ferramentas preditivas e a inteligência artificial, e tantas outras ferramentas de saúde digital, para melhorar a tomada de decisão e reduzir os impactos das doenças e enfermidades no custo gerado pelo modelo atual.”

Parcerias público-privadas: soluções para os desafios de demanda no serviço público?

Os últimos 20 anos foram marcados por mudanças significativas nas parcerias público-privados (PPPs) na área de saúde, em especial com as colaborações feitas por meio de Organizações Sociais de Saúde (OSSs). Rosa, do IEPS, cometa que existem ganhos significativos de eficiência dos hospitais ao passarem a ser administrados por OSSs, no entanto, colaborações mais tradicionais, como as realizadas entre secretarias de saúde e Santa Casas, continuam enfrentando desafios de sustentabilidade.

“Uma linha interessante a ser explorada nas parcerias público-privadas é o aperfeiçoamento de contratos entre as instituições. Precisamos investir em transparência e construir capacidade técnica, o que inclui o aparato legal, e também capacidade de monitoramento de contratos em relação aos custos e à qualidade do que é realizado. Essas parcerias são de suma importância para a população atendida pelo SUS, e o aperfeiçoamento desses modelos podem gerar inovações e eficiência importantes para o setor.”

Além disso, Rosa também toca em um outro ponto que, dentro do contexto de sustentabilidade, deve ser avaliado: o grande investimento em equipamentos de média e alta complexidade feito pelos prestadores de serviços de saúde.

“Acreditamos que parte desses equipamentos podem estar ociosos. Assim, existe espaço para que o setor público contrate serviços a preços mais competitivos. Nesse sentido, mudanças regulatórias que permitam uma contratação mais célere desses serviços podem ser pertinentes.”

Tacyra avalia que as parcerias público-privadas, embora se apresentem como uma solução para os desafios de demanda dos serviços públicos, é um arranjo administrativo que  encontra importante desafio na estruturação e no modelo contratual, enfrentam barreiras legais para avançar em novos modelos de contratualização e remuneração e precisam ser melhor estruturadas sob o aspecto de indicadores de qualidade de entrega, satisfação do usuário e planejamento de avanços quanti-qualitativos esperados ao longo dos anos da contratação.

“Se for mantido o modelo atual de pagamento por serviços prestados não há como redesenhar o modelo de atenção à saúde e como fazer melhor utilização dos equipamentos, tanto públicos quanto privados.”

ANS: o que o setor espera com a troca de comando

O mandato de Paulo Rebello como diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) se encerra no final deste mês. Ainda não se sabe quem assumirá a Agência, mas Cechin, do IESS, acredita que, independentemente de quem estará à frente da Agência no próximo ano, essa pessoa deverá focar seus esforços em medidas que fortaleçam o diálogo entre os diversos atores do setor e favoreçam tanto as operadoras quanto os beneficiários.

Além de enfrentar desafios como a sustentabilidade e a busca por novas soluções, temas como regulação de prestadores de serviços e verticalização devem ser destaques na pauta do próximo diretor.

“No mais, a Agência deve seguir a orientação do seu quadro de dirigentes, que permanecerá o mesmo, o que, em uma análise mais superficial, indica que a nova gestão estará voltada para a tomada de decisões com base em evidências técnicas”, aposta Cechin.

Fonte: Saúde Business