No setor de saúde, líderes têm integrado, de forma crescente, dados, inteligência artificial e recursos digitais à sua tomada de decisão. No entanto, ir além da automação requer mais do que tecnologia — exige a capacidade de transformar grandes volumes de informações em decisões contextualizadas, conectadas ao vínculo com as equipes, à empatia com os pacientes e ao propósito institucional.
Quando a análise de dados é utilizada para apoiar a escuta ativa, fortalecer a cultura organizacional e personalizar o cuidado, a tecnologia deixa de ser apenas suporte operacional e passa a ser uma aliada estratégica na construção de valor sustentável em saúde.
“O perfil da liderança em saúde vem passando por uma transformação significativa. Se antes o protagonismo recaía sobre competências exclusivamente técnicas ou operacionais, hoje o líder precisa ser também um tradutor de dados, um estrategista e, ao mesmo tempo, um articulador de pessoas e propósitos”, analisa Nathália Nunes, CEO do Colégio Brasileiro de Executivos em Saúde (CBEXS).
Liderança orientada por dados em prática
Segundo a executiva, o avanço da inteligência de dados ampliou a capacidade analítica das instituições — mas também aumentou a responsabilidade de quem decide. Para Nathália, o líder do presente — e, principalmente, do futuro — precisa estar preparado para atuar em ambientes complexos, conectando informações quantitativas com uma leitura qualificada dos contextos sociais, econômicos e humanos onde essas decisões se materializam.
Nathália lembra que o dado é uma ferramenta, e não um fim em si mesmo.
“A boa liderança em saúde é aquela capaz de equilibrar o rigor da análise com a escuta ativa, a empatia e o compromisso com o cuidado. Isso significa desenvolver literacia em dados — compreender suas fontes, limitações e potenciais — mas também cultivar repertório humanista e sensibilidade social”, ressalta.
No Grupo Fleury, a cultura data-driven é um dos pilares estratégicos da companhia. “Por meio do Fleury Data Hub, consolidamos uma base confiável que conecta áreas técnicas, assistenciais e administrativas, viabilizando iniciativas de inteligência artificial, automação, personalização do cuidado, desenvolvimento de produtos e tomada de decisão baseada em evidências”, detalha João Vicente Alvarenga, diretor executivo de TI e Digital.
Já José Marcelo de Oliveira, diretor-presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, destaca que a instituição vem investindo na modernização da arquitetura de dados e em inteligência analítica, sempre com foco em decisões que impactam a experiência e a jornada do paciente.
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“Um passo importante que demos no Hospital foi a criação do Command Center Operacional, um centro de monitoramento em tempo real que utiliza painéis digitais para acompanhar o fluxo em áreas críticas como Pronto Atendimento e Internação. O sistema emite alertas automáticos quando há risco de congestionamento, dando suporte a decisões rápidas e seguras”, pontua.
No Grupo Sabin, a cultura orientada por dados é sustentada por um silo centralizado de informações, atualizado diariamente no modelo D-1. “No início de cada dia, nossos colaboradores têm acesso a relatórios atualizados e dashboards que refletem a realidade do negócio. Incentivamos uma mentalidade analítica entre os colaboradores, estimulando questionamentos, aprendizados e a busca contínua por melhorias”, explica Rafael Jácomo, diretor técnico.
Habilidades que fazem a diferença
Em um cenário competitivo, desenvolver competências para liderar organizações orientadas por dados é fundamental. “Essas competências envolvem, basicamente, o conhecimento de indicadores e como eles são coletados, organizados e processados”, aponta Claudio Giulliano da Costa, ex-presidente e membro do Comitê de Aconselhamento da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS).
Ele destaca ainda o domínio de analytics, que engloba diferentes tipos de análise, além do entendimento tecnológico.
“No aspecto da liderança, vejo que o líder atual precisa ser analítico. Ele deve desenvolver esse mindset de tomar decisões baseadas em dados e informações, combinando com sua experiência e, eventualmente, com a intuição. Mas sempre buscando as respostas com base em dados concretos”, enfatiza.
Costa observa que o desafio não está apenas na leitura de um dado isolado, mas na capacidade de interpretar relações causais. “Muitas vezes, uma mudança no processo assistencial gera um impacto operacional, que por sua vez causa um impacto financeiro. É preciso conseguir enxergar essas conexões. Saber interpretar e criticar é essencial para tomar decisões mais acertadas”, analisa.
Equilibrar dados e humanização do cuidado
Encontrar o ponto de equilíbrio entre o uso intensivo de dados e a preservação da humanização é um dos principais desafios na transformação digital da saúde. A inteligência de dados tem potencial para antecipar riscos, personalizar condutas e otimizar recursos — mas, se utilizada sem conexão com a realidade, pode desumanizar o cuidado.
No Grupo Fleury, os dados são vistos como facilitadores de um cuidado mais sensível e proativo. “A automação de processos operacionais libera tempo dos profissionais para o que realmente importa: o cuidado humano. Nossa visão é automatizar o que é repetitivo; humanizar o que é crítico usando dados para amplificar, e não substituir, a sensibilidade no relacionamento com clientes e médicos”, ressalta Alvarenga.
Líderes conscientes têm adotado uma abordagem em que a tecnologia apoia, mas não substitui, o olhar clínico, o diálogo sensível e o vínculo com o paciente.
“Princípios como ampliar o acesso ao cuidado, reduzindo barreiras; antecipar riscos e agir preventivamente; qualificar a experiência do paciente, tornando-a mais fluida e acolhedora; e garantir a continuidade do cuidado em diferentes pontos da rede são traduzidos em iniciativas que utilizam dados para apoiar decisões das equipes médicas e assistenciais. Tecnologia e dados só têm valor real quando ajudam a cumprir nosso propósito de servir à vida”, opina Oliveira.
No Grupo Sabin, os dados orientam a personalização da experiência — e, paralelamente, os profissionais são capacitados a interpretá-los com sensibilidade. “O uso da tecnologia potencializa a capacidade de ouvir, acolher e resolver, tornando o atendimento mais eficiente”, afirma Jácomo.
Engajamento de equipes baseadas em dados
Estimular a fluência em dados entre as áreas assistenciais, técnicas e administrativas é essencial para que a transformação digital seja, de fato, estratégica. Quando profissionais de diferentes setores compreendem, interpretam e utilizam dados com segurança, as decisões se tornam mais ágeis, consistentes e alinhadas ao propósito institucional.
Esse engajamento nasce de confiança, propósito e clareza. Na análise de Nathália, fomentar uma cultura orientada por dados depende da criação de espaços de escuta, da oferta de formação contínua e da conexão entre evidências e objetivos concretos.
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No Grupo Fleury, Alvarenga relata que a companhia vem promovendo uma transformação transversal da fluência analítica, com trilhas de capacitação por perfil, iniciativas de data storytelling, casos de uso reais e apoio consultivo das equipes de Data & Analytics.
“Além disso, investimos em ferramentas acessíveis, painéis analíticos e em uma estrutura orientada a produtos — conectando as inteligências artificiais na operação de forma transparente, o que aproxima os dados do contexto do negócio. O objetivo é que cada colaborador, independentemente da área, possa utilizar dados de forma estratégica e segura no seu dia a dia”, explica.
No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o investimento em capacitação também é prioridade. “Criamos dashboards para cada unidade de negócio, reunindo indicadores de produção, finanças, qualidade e segurança, recursos humanos e gestão. Esses painéis apresentam informações atualizadas em tempo real, de forma visual e acessível, para apoiar nossos gestores em suas decisões”, detalha Oliveira.
Além disso, a instituição promove treinamentos focados em indicadores de desempenho e no uso de ferramentas de análise — como o Self-Service BI — que permitem que as equipes desenvolvam autonomia na geração e interpretação de relatórios.
“Esse trabalho fortalece a nossa cultura analítica, promove autonomia e contribui para que dados se transformem em ações concretas que impactem positivamente a jornada do paciente”, ressalta o executivo. O hospital também estruturou uma estratégia de integração de dados, reunindo informações clínicas, operacionais e financeiras em um repositório centralizado.
“Na prática, reunimos informações clínicas, operacionais e financeiras em um repositório centralizado, que dá suporte a painéis e ferramentas de acompanhamento em tempo real. Isso nos permite visualizar o perfil dos pacientes internados por unidade; monitorar taxas de ocupação, disponibilidade de leitos e previsão de altas; e relacionar custos assistenciais com indicadores de produção e qualidade”, evidencia.
Costa ressalta que o conhecimento deve ser estimulado tanto por treinamentos quanto por rituais de experimentação prática, como as chamadas “reuniões de produção”, que analisam metas e desempenhos de diferentes setores. “Esses rituais de análise de dados, realizados de forma compartilhada e organizada dentro da instituição, funcionam muito bem”, afirma.
No Grupo Sabin, as iniciativas incluem dashboards automatizados, uso de inteligência artificial generativa para suporte à análise de dados, treinamentos, workshops e ações voltadas ao incentivo ao pensamento analítico em todas as áreas.
Nathália, do CBEXS, deixa um conselho aos profissionais que desejam se preparar para liderar na era da inteligência de dados.
“Busque desenvolver competências analíticas, sim — mas também cuide da sua capacidade de comunicação, da gestão de pessoas e da leitura crítica do sistema de saúde como um todo. A era da inteligência de dados exige líderes que saibam fazer perguntas melhores, interpretar padrões com ética e tomar decisões com base em múltiplas dimensões.”
Por Cristina Balerini – Especial para o Saúde Business
Fonte: Saúde Business