Embora estudos apontem que as instituições filantrópicas garantem os melhores resultados para o SUS, há segmentos que questionam a legitimidade da atuação do setor na saúde pública. Para o presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), José Reinaldo Nogueira de Oliveira Júnior, o tema precisa ser encarado com pragmatismo, não sob o ponto de vista ideológico.

À frente de uma Confederação que representa 2.100 instituições filantrópicas da área da saúde, vinculadas a 14 federações estaduais, José Reinaldo defende a adoção de medidas urgentes para a melhoria do financiamento do SUS. Segundo ele, o investimento per capita em saúde no Brasil é inferior ao de outros países em desenvolvimento, o que pode gerar um colapso no setor. Confira nesta entrevista!

Notícias Hospitalares – Hoje, questões relativas à atuação das filantrópicas no Sistema Público de Saúde estão sendo questionadas. Que avaliação o senhor faz desse cenário?

José Reinaldo – Muito do que está ocorrendo são discussões ideológicas e, neste campo, precisamos ser pragmáticos. Há estudos que apontam que no caso das filantrópicas que atuam no gerenciamento de unidades públicas de saúde os resultados são melhores. Isso não quer dizer que não haja necessidade de amadurecimento. Mas amadurecer o modelo não significa impor a esse modelo circunstâncias que hoje dificultam a forma tradicional de contratação da Administração Pública.

NH – O senhor pode citar um exemplo?

JR – Temos hoje discussões em todos os níveis sobre a Lei de Licitações. Se começarem a impingir na contratação das filantrópicas regras que estão sendo contestadas ou questionadas na própria Lei de Licitações, isso seria um antagonismo, um retrocesso. Acho que é preciso controle, mas sem gerar amarras desnecessárias, porque todos sairiam perdendo.

NH – A saúde pública figura entre as principais reclamações da população. O que mais dificulta a manutenção ou mesmo a ampliação dos atendimentos?

JR – O grande problema é o financiamento. Tanto é problema que as mesmas instituições que fazem gestão de unidades públicas e têm remunerações distintas conseguem operar com mais qualidade, eficiência e melhor resultado num contrato do que no outro. Existem hospitais que somente por reduzir a oferta de atendimento pelo SUS alcançam seu equilíbrio econômico-financeiro.

O SUS, gradativamente, deixou de pagar aquilo que custa o serviço e as filantrópicas passaram a assumir prejuízos constantes. Hoje, encontram-se absolutamente dependentes do SUS, que representa, em muitos casos, mais da metade de toda a sua produção; por outro lado, o SUS tornou-se absolutamente dependente dessas instituições, porque não existe como, seja em qualquer nível de gestão, o SUS assumir esses 50% dos serviços.

NH – Há quem afirme que a saúde deveria ficar nas mãos do Estado e que a relação entre o SUS e as filantrópicas não é uma parceria. Como o senhor analisa isso?

JR – A origem dessas instituições é a benemerência. Elas são parte fundamental da história do atendimento à saúde dos mais pobres. Antes do SUS, a saúde não era universal. Somente quem tinha carteira assinada e seus dependentes utilizavam os serviços públicos de saúde. Quem não tinha, recorria a serviços particulares ou se valia das filantrópicas que, financiadas por doações, prestavam atendimento à saúde de forma gratuita, dentro da sua capacidade. A partir do SUS, essas instituições passaram a ser parceiras do Sistema e assumiram um papel que é obrigação do Estado e direito do cidadão: o atendimento à saúde. Assim, acho que o mais inteligente seria reconhecer essa dependência mútua e tentar encontrar um denominador comum que dê sustentabilidade a essa relação.

NH – Qual é o maior ganho para o Estado em ter uma unidade de saúde gerenciada por uma instituição filantrópica?

JR – O maior ganho é o social, é a viabilidade do atendimento da população. Mas há outros ganhos importantes. Por exemplo, a Administração Pública consegue produzir, comparativamente, muito mais com menos. E a instituição filantrópica consegue ter, pelo menos, um contrato economicamente equilibrado, o que não é o modelo tradicional do SUS, que vem de uma defasagem brutal na tabela que regula o valor dos procedimentos. Hoje, discute-se não vincular a remuneração com a tabela, mas a origem é essa. Se não houver reconhecimento de que isso precisa ser revisto, não adianta fazer alterações na forma de contratação.

NH – A decisão de prestar serviços ao SUS foi uma opção acertada dessas instituições no passado?

JR – Num determinado ponto da história, houve uma convergência de interesses: de um lado, as filantrópicas com suas raízes na benemerência; do outro, o Estado, que a partir da Constituição de 1988 passou a ter obrigação de oferecer 100% de assistência à saúde. O Estado não tinha capacidade para isso e a Constituição permitia a contratação da iniciativa privada, com prioridade para instituições filantrópicas.

Se analisarmos a evolução disso, verificaremos que no início a participação de instituições privadas com fins lucrativos era muito maior. Isso veio decrescendo, devido aos poucos resultados que o SUS permite. Hoje, metade da produção é realizada direta (unidades próprias) e indiretamente (unidades administradas) pelas filantrópicas; 40% por unidades de saúde sob gestão pública; e 10% pela iniciativa privada lucrativa.

NH – Qual é a sua expectativa para o setor no curto e médio prazos?

JR – Se nada de substantivo for feito para melhorar o financiamento, a saúde pública vai entrar em colapso. E não basta uma gestão mais adequada dos recursos, isso não é suficiente! Em qualquer simulação que se faça, se for comparado o que se gasta per capita em outros países em desenvolvimento, verificaremos que o Brasil gasta pouco com saúde. Acho que deveria haver mais ações casadas: mais recursos, com mais controle, com melhor gestão e investimento em capacitação. Isso sim pode tornar equilibrada e sustentável essa relação das filantrópicas com o SUS.

Olho:
Amadurecer o modelo não significa impor a esse modelo circunstâncias que hoje dificultam a forma tradicional de contratação da Administração Pública”.

Entrevista concedida à Edição Especial da revista Notícias Hospitalares, Ano 12, Número 72: José Reinaldo Nogueira de Oliveira Júnior, presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB).