Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pediram, durante o seminário “Impasses e Alternativas para o Financiamento do SUS Universal”, no dia 04 de novembro, medidas para que o subfinanciamento crônico do Sistema Único de Saúde (SUS) seja superado.

As entidades demonstraram que o país gasta 11 vezes mais com o pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública do que em saúde pública. Em 2009, enquanto os juros demandavam 45% do orçamento geral da União, o Sistema Único de Saúde (SUS) recebia 4%. Nesse cenário, são necessários mais R$ 45 bilhões anuais para garantir um serviço razoável de saúde à população.

“Não podemos ficar presos às armadilhas do argumento de que a solução para o SUS passa, primeiro, pela melhoria de gestão, argumento muito em voga hoje”, afirmou Luiz Augusto Facchini, presidente da Abrasco, na abertura dos trabalhos.

Americanização da saúde – Aloísio Tibiriçá, vice-presidente do CFM, também foi crítico: “O Estado brasileiro precisa definir o que quer da sua saúde pública. E os números revelam o que pensa a respeito. Enquanto seus investimentos não passaram de R$ 72 bilhões, destinados ao atendimento de toda a população, os planos de saúde privados faturaram praticamente a mesma coisa para atender apenas 46 milhões de pessoas. O que temos hoje no Brasil é um SUS desfinanciado e um sistema suplementar com um financiamento proporcionalmente três maior que o público”.

Tibiriçá resumiu a questão: o resultado desse processo é a “americanização da saúde”, por meio do qual as famílias e as empresas estão bancando perto da metade dos gastos com saúde no Brasil.

O maior problema da área é que o subfinanciamento do SUS, apesar de ser uma questão central na vida do país, não está na agenda política. A tese foi defendida no seminário por Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, maior referência em ciência e tecnologia em saúde pública da América Latina.

“Contraditoriamente, até do ponto de vista econômico, a saúde é crucial em termos da contribuição que traz para a inovação”, lembra ele. Para o dirigente da instituição criada por Oswaldo Cruz, a saúde pode e deve ser vista, ainda, como um elemento central do modelo de desenvolvimento do país.

Parlamentar defende tributo – Os deputados federais Pepe Vargas (PT-RS) e Saraiva Felipe (PMDB-MG), ex-ministro da Saúde em 2005, vêem como urgente e crucial identificação de fontes para o financiamento do SUS, ante às diversas demandas que pressionam o orçamento público, como investimentos em infraestrutura e programas sociais. Ambos participara do o seminário, realizado no Colégio de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Tudo isso impacta o orçamento”, frisa Vargas. Ele ressalta que a Contribuição Social da Saúde para o Fundo Nacional da Saúde, já proposta no Congresso, isentaria boa parte da população e pesaria apenas R$ 9 mensais para quem ganhasse um salário de R$ 12 mil. “É perfeitamente defensável, mas não conseguimos aprová-la. Estão demonizando qualquer proposta de novo tributo”, admite.

EC 29 – Para Vargas, no quadro atual de subfinanciamento da saúde pública, a regulação da Emenda Constitucional 29 é fundamental. Ela explica que a regulação definirá o que é despesa com saúde, reduzindo a margem usada hoje por Estados e municípios que maquiam suas contas, contabilizando como gastos de saúde itens como saneamento básico, coleta de lixo e alimentação, por exemplo.

Vargas lembra que uma pesquisa recente indicou que 51% dos brasileiros seriam favoráveis a um novo tributo que financiasse a saúde, principalmente os de classe mais pobre. “Os mais críticos à proposta são, exatamente, os que não usam do SUS”.

O deputado também levantou o não ressarcimento do SUS pelos serviços que presta aos usuários de planos de saúde. “Ainda que prevista na legislação, toda cobrança vira litígio”, afirma. Nesse sentido, propõe, abandonar essa estratégia e criar, para substituir essa fonte de financiamento, uma contribuição social para os planos de saúde. “Seria mais barato e mais eficaz de arrecadar”, argumenta. Vargas não descarta a discussão, ainda, de contribuições sociais sobre grandes fortunas, fusão de grandes instituições privadas, entre outras.

Pobres gastam mais – Para seu colega, Saraiva Felipe (PMDB-MG), o país caminha rapidamente para um “apagão” do SUS. Segundo ele, não faz sentido que num país que disponha de um SUS, haja a distorção em que os pobres gastem, em média, 6,7% de suas rendas com saúde e os ricos 3%.

“Do total de gastos da saúde no país – que não passam de 9% do PIB – o gasto público financia apenas 45% desse montante. Não há país que se proponha da ter um Sistema Único de Saúde onde o setor público não seja responsável por, pelo menos, 70% dos recursos”, argumentou o ex-ministro da Saúde. E citou estatísticas embaraçosas: “O nosso gasto per capita anual em saúde (incluindo a contribuição privada e a pública) está em US$ 734. Desse total apenas US$ 335 são gastos públicos, ante os US$ 485, na Argentina, e US$ 658, em Cuba.

Para Felipe o quadro atual tem promovido o que chamou de “massacre dos municípios”. “Com a descentralização da saúde, ocorreu uma grande distorção. Enquanto a União arcava com 85% dos gastos públicos em saúde em 1980, em 2008 ela só foi responsável por 43,5%. A diferença foi arcada por Estados, 27,6%, e municípios, 29%, penalizando essas esferas de poder”.

Regulamentação – Segundo Felipe, entre as propostas que regulamentam a área, a apresentada pelo senador Tião Viana (PT-AC), que propõe 10% da receita líquida da União para o setor. “Não vai resolver, mas seriam R$ 37 bi a mais por ano, que serviriam para melhorar algumas tabelas de pagamento de serviços, impedindo o desmanche nacional do SUS”.

Felipe cobra a retomada da militância em prol da saúde pública. “Se depender do debate interno na Câmara e no Senado, não avançaremos”, conclui. “Temos que pressionar”, acrescenta.

Fonte: Correio do Brasil e CFM