A perda de emprego e a desistência dos planos de saúde contribuíram para a demanda pelos serviços do sistema público de saúde em Guarulhos, município da Grande São Paulo. A dependência do Sistema Único de Saúde (SUS) subiu de 65% da população em 2014 para 70% atualmente, segundo dados da prefeitura.

Para atender à demanda, a estratégia da Prefeitura de Guarulhos foi dar prioridade ao atendimento de urgência e emergência. Houve expansão de capacidade em um dos três hospitais municipais e foram iniciadas as atividades, em 2017, de duas Unidades de Pronto Atendimento (Upas) pelo município, segundo o prefeito de Guarulhos, Gustavo Henric Costa (PSB). Uma delas foi inaugurada em junho e outra em dezembro do ano passado.

As duas unidades já estavam prontas antes, mas não foram colocadas em funcionamento justamente pelo alto custo de manutenção, explica Guti, como é conhecido o prefeito. As duas atendem perto de 15 mil pessoas ao mês e consomem R$ 5 milhões mensais em despesas de custeio. O volume de consultas de emergência e urgência na rede municipal de Guarulhos subiu de 1,23 milhão, em 2016, para 1,38 milhão no ano passado.

A maior demanda pelo SUS pressionou as despesas com saúde em Guarulhos, que cresceram de 28,1% para 32,3% da receita própria nos últimos quatro anos.

O município de Guarulhos não é um caso isolado. A rede do SUS para atendimento de urgência no Brasil se expandiu de 8.806 estabelecimentos em março de 2013 para 10.252 em março deste ano, segundo dados do Ministério da Saúde. Os dados do governo mostram ainda que o período de recessão elevou a aplicação de recursos na saúde, principalmente pelos municípios.

A aplicação de recursos da União na área somou R$ 115 bilhões em 2017, 0,7 ponto percentual acima dos 15% de receita corrente líquida, o mínimo estabelecido para o governo federal na saúde. Os Estados destinaram R$ 65,6 bilhões para a saúde, o equivalente, em média, a 13,4% da receita própria e 1,4 ponto percentual acima do mínimo constitucional de 12%.

Os municípios aplicaram no ano passado valor maior que os Estados, tanto em termos absolutos como relativos. As prefeituras destinaram R$ 81,75 bilhões à saúde no ano passado, o equivalente a 24,22% da receita própria, 9,22 pontos percentuais acima do mínimo de 15%.

Os números mostram, segundo analistas, que a recessão acelerou a tendência de municipalização dos serviços de saúde. Em 2013, os Estados aplicaram em saúde 12,99% da receita própria, 0,99 ponto percentual acima do mínimo constitucional. O avanço nos últimos cinco anos foi de 0,41 ponto percentual da receita.

Os municípios, que já aplicavam há cinco anos 22,1% da receita para a área, bem acima do mínimo de 15%, avançaram ainda mais. A fatia da receita gasta na saúde pelas prefeituras subiu 2,12 pontos percentuais. Em 2013, os municípios destinavam à saúde 20% a mais que o total dos Estados. No ano passado, essa diferença avançou para 25%.

Os dados são do Ministério da Saúde, sempre nominais, e levam em consideração a receita própria e o conceito de ações e serviços públicos de saúde utilizado para verificar o cumprimento dos mínimos legais e constitucionais no caso dos Estados. Para a União, é considerado o conceito de receita corrente líquida, conforme a Emenda Constitucional 95/2016. Por essa emenda o gasto mínimo do governo federal em 2017 foi de 15% da receita. Para 2018, o mínimo é o piso do ano passado corrigido pelo IPCA de 3%.

Para a União, consideram-se os recursos aplicados diretamente e os que são transferidos a Estados e municípios via SUS. Nos governos regionais, os valores contemplam somente os gastos com recursos próprios. Sol Garson, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que, nesse caso, são considerados recursos próprios não somente a arrecadação de tributos como também transferências obrigatórias.

No caso dos governos estaduais, inclui, entre outros, recolhimento de ICMS e o repasse do governo federal ao Fundo de Participação dos Estados (FPE). Para as prefeituras, contempla receitas como arrecadação de ISS, repasse da União via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e transferências obrigatórias dos Estados, como ICMS e IPVA.

“Os números mostram a tendência de municipalização da saúde, o que faz sentido porque é o governo mais próximo da população e mais sensível à pressão social por aumento desses serviços, ainda mais em tempos de recessão e desemprego recorde”, diz José Roberto Afonso, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e professor do Instituto de Direito Público (IDP).

A economista Sol Garson, ex-secretária de Finanças do município do Rio de Janeiro, também aponta a mesma tendência. A demanda por serviços de saúde junto aos governos regionais, e principalmente às prefeituras, é cada vez maior não somente em grandes municípios, com maior população, mas também nas pequenas cidades, onde as receitas são mais apertadas. “Por isso os gastos com saúde ultrapassam facilmente o mínimo obrigatório e chegam perto dos 25% da receita. Nos municípios menores, as receitas dão somente para os gastos com educação e saúde”, afirma Sol.

A tendência de maior gasto das prefeituras, diz Afonso, é um fenômeno anterior à crise econômica, que vem da municipalização da gestão do SUS, da maior atenção primária à saúde. “O pior é que, muitas vezes, alguns hospitais gerais, custeados por uma prefeitura, acabam atendendo a toda uma região, quando não o Estado, o que significa que os cidadãos de uma cidade estão financiando os outros.”

Para Afonso, é urgente rediscutir essa situação. Antes era irrelevante, porque as prefeituras gastavam pouco e dependiam muito das transferências da União. Hoje, gastam tanto, sobretudo as de médio e grande porte, além de capitais, que o gasto efetivo supera em muitas vezes a vinculação legal.

Para Afonso, um crescimento em menor ritmo dos gastos dos Estados em saúde reflete a receita de impostos, que caiu fortemente na recessão, enquanto a demanda pela saúde pública não caiu. Ao contrário, até subiu para atender às pessoas desempregadas, que perderam seus planos de saúde e migraram dos serviços privados para o atendimento público.

 

“Fora isso, a crise federativa é muito maior no caso dos Estados, com alguns falidos. Na verdade, não faz sentido ter uma vinculação pró-cíclica num gasto público que deve e se comportar de forma anticíclica.”

George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, acredita que a expansão de gastos nos municípios se acelerou também como resultado da implantação do programa Estratégia Saúde da Família, que reestruturou o serviço de atenção básica, com a formação de equipes responsáveis por grupos de pessoas em determinados territórios. “Isso elevou os gastos das prefeituras rapidamente, porque é um programa relativamente fácil de implantar, mas que demanda despesa com pessoal necessário para atendimento”, diz o secretário.

Fonte: Valor Econômico