helevecioVivemos um momento de transformações profundas na saúde brasileira, cujos sentidos mais profundos precisamos captar. Na busca pelo desenvolvimento, a opção pela saúde pública é uma decisão política histórica à qual precisam comparecer as nações. Somos o único país com mais de 100 milhões de vidas a gravar no desenho constitucional a universalidade, a equidade e a integralidade da saúde como direitos de todos e dever do Estado. Mas, de tal modo essa construção se fez, que, transcorridos 25 anos da Constituição de 1988, temos contradições profundas a enfrentar, não cabendo mais adiamentos.

O programa Mais Médicos integra o pacto pela saúde, conjunto de medidas que responde a uma questão histórica: afinal, para quem e para quê se faz a saúde neste país? Sabe-se que o SUS assume os elevados custos dos procedimentos complexos, como os transplantes, as internações prolongadas, as órteses e próteses. É assim também com as vacinas, que demandam longos anos de pesquisa, com os medicamentos de alto custo e o atendimento de urgência e emergência nas Upas 24 horas, no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e nos prontos-socorros.

As imagens duras dos corredores não mostram o que milhões de famílias já puderam vivenciar quando precisaram de atendimento — o SUS funciona, é resolutivo e não exclui ninguém. Mas, por que, então, permanecem esses quadros precários? Faltam leitos e equipamentos, faltam profissionais de saúde, ou ambas as condições são escassas? Propomos o seguinte raciocínio: de que vale aprimorada tecnologia sem profissionais de saúde? Aceleradores lineares e mamógrafos, sem radiologistas? Blocos cirúrgicos, sem anestesistas, neurocirurgiões e ortopedistas?

Inversamente, perguntamos: o que pode um médico de família no mais distante rincão do Brasil profundo, no mais simples, mas digno, centro de saúde? A resposta é que a atenção básica contínua é capaz de resolver mais de 80% dos problemas de saúde de uma população. Torna-se evidente que equipamentos, medicamentos e insumos são indispensáveis, mas, com igual veemência, devemos afirmar que nenhum país do mundo com sistema nacional público de saúde deixou a cargo das corporações e dos mercados a definição de quantos médicos formar e onde deverão ser alocados. Neles, os conselhos cumprem o papel de guardiões da qualidade e da ética no exercício profissional.

No Brasil, precisamos atuar para devolver ao interesse nacional a prerrogativa da disponibilidade de médicos. Formamos um número insignificante de médicos de família e comunidade, não interviemos na cultura acadêmica que ainda hoje se vê dominada pelo enfoque especialista e fragmentado, mesmo com as iniciativas contra-hegemônicas.

A abertura do segundo ciclo nos cursos de medicina, a chamada pública por mais profissionais, a possibilidade de receber médicos estrangeiros para a atenção básica, são decisões que se conectam com o anúncio de R$ 15 bilhões pela presidente Dilma Rousseff para a estrutura assistencial em todos os níveis de atenção. Recursos para construir, equipar, modernizar e ampliar hospitais, Upas 24 horas, unidades básicas e clínicas especializadas que integram as Redes de Atenção à Saúde, incluindo os hospitais universitários. Medidas que interagem com o Plano de Reestruturação e Desenvolvimento dos Hospitais Filantrópicos, que irão se consolidar como os grandes fornecedores de média e alta complexidade do SUS, com maior oferta de serviços para os seus usuários.

Como servidor da saúde, por onde tenho percorrido este país — grito amplificado pelo clamor das ruas —, o que escuto é o apelo por um SUS de qualidade, para todos. Como médico, o que escuto é o apelo das mães, dos usuários que reivindicam o SUS como um dos mais sólidos sistemas do mundo, condição para se efetivar o direito à saúde universal no Brasil.

Decisão é assim mesmo, difícil e dolorosa, como a cirurgia e os efeitos colaterais dos medicamentos. Mas, depois de atuarmos sobre as causas, voltamos a caminhar mais fortes e revigorados, prontos para cumprir a missão constitucional de uma saúde com acesso e qualidade para todos os brasileiros.

Helvécio Miranda Magalhães Júnior
Médico, doutor em saúde pública, secretário nacional de Atenção à Saúde

Fonte: Correio Brasiliense