Participantes de audiência pública levantaram uma série de questões acerca da adoção do prontuário eletrônico no Brasil, para obrigar o Sistema Único de Saúde (SUS) a manter plataforma digital única com informações de saúde dos pacientes. Entre os pontos colocados, estão os desafios para a geração de informações úteis a partir da coleta de dados e ainda a proteção da privacidade dos usuários do sistema de saúde.

O assunto foi discutido na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (13), a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Ela é relatora de um conjunto de projetos de lei sobre o tema, entre eles o PL 5875/13 e o PL 3814/20.

A parlamentar observou que o Brasil já possui avanços na informatização dos serviços de saúde e experiências de prontuário. No entanto, falta integração entre diferentes sistemas.

“O fato de um sistema não conversar com outro faz com que muitas vezes você tenha exames duplicados, triplicados. Você recebe uma pessoa, mas você não sabe o histórico desse paciente. Você repete exames, isso gera custos, gera ineficiência. Faz com que o SUS, que foi feito para dar acesso, não dê acesso”, afirmou Adriana Ventura.

O prontuário eletrônico viria, segundo a deputada, como um banco de dados unificado, com operacionalidade, mas que requer cuidados em sua construção. “Até dentro de prontuário eletrônico, a gente precisa discutir níveis de acesso, que modelo vamos usar como piloto. Também discutir prescrição eletrônica dentro deste contexto e como garantir os princípios do SUS”, disse.

Presente à reunião, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) recomendou inspirar-se em bons exemplos já existentes no País e comparar cidades parecidas. “O prontuário eletrônico precisa urgentemente ser implantado. Ele vai economizar 30% dos recursos da saúde, evitando dupla prescrição de exames de imagens, de exames de laboratórios, de medicamentos”, reforçou.

Contextualização
O assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) Diogo Demarchi pontuou que os serviços de saúde no Brasil lidam com inúmeras coletas de dados, mas disse que ter dados não significa ter informações.

“O dado tem que ser colocado em um contexto para gerar informação. Esse cenário ideal ainda não faz parte da nossa realidade. Um exemplo é a imunização: hoje ninguém sabe dizer ao certo qual a cobertura real vacinal no nosso país”, exemplificou Demarchi.

Ele ressaltou a importância de uma lei sobre um assunto que hoje é pautado basicamente por normas infralegais. Por outro lado, chamou a atenção para as dificuldades em um país diverso, onde milhares de unidades básicas de saúde não possuem conexão adequada à internet ou não possuem sequer conexão.

Gestão tripartite
Por sua vez, o assessor técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) Nereu Mansano acrescentou que, na elaboração do prontuário eletrônico, é preciso levar em consideração a gestão tripartite entre União, estados e municípios do SUS.

Ele apontou a atual fragmentação das informações de saúde como resultado de uma demanda cada vez maior do Ministério da Saúde por novos sistemas de informação, com variáveis nem sempre necessárias para a gestão, sem levar em conta as necessidades estaduais e municipais, que acabam desenvolvendo sistemas próprios.

Também o empreendedor em inovação Jefferson Plentz considera um desafio interoperar o banco de dados pretendido. Ele recomendou que se trabalhe com padrões abertos, seguindo passos globais, com vinculação a sistemas já existentes.

“Em um esforço privado, nós temos que integrar informações de mais de 40 sistemas públicos diferentes. Quando precisamos de informação, essa informação já percorreu tantas bases que dificilmente é confiável. Na prática, 50% das informações que são registradas não têm nenhuma utilidade. E os outros 50% registrados, geraram um trabalho brutal de profissionais de saúde, mas não são orquestrados”, criticou Plentz.

Uso comercial
A preocupação da pesquisadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Ilara Hämmerli de Moraes é com um possível uso comercial que se possa fazer de dados coletados de pacientes.

“A saúde digital está sendo capturada pelo capitalismo de dados ou de vigilância. É uma nova ordem que reivindica que a experiência humana seja vista como matéria-prima gratuita para práticas comerciais”, afirmou.

Na avaliação de Ilara, o SUS não deve ser mercado consumidor de soluções pré-concebidas pelo setor privado, mas construir sua própria rede nacional de pesquisa, inovação e ensino em saúde digital.

Relatório
Adriana Ventura já elaborou um primeiro relatório sobre o assunto, mas está aberta a receber sugestões para aprimorá-lo. Ainda não há data para votação da matéria na Comissão de Seguridade Social e Família.

Fonte: Agência Câmara de Notícias