Peter Ferdinand Drucker não estava brincando quando afirmou que considerava o hospital uma das organizações mais complexas a serem geridas. É verdade. Este estabelecimento concentra e realiza, ao mesmo tempo, dezenas de atividades complicadas que o mercado segmenta e dilui em áreas específicas de atuação, tais como hotelaria, alimentação, segurança, limpeza, farmácia, medicina enfermagem, laboratório de exames e manutenção. E tudo em grande escala. E elas têm que funcionar, pois o paciente não pode suportar a falha de nenhuma das fases e dos serviços que compõem o seu atendimento.

Além disso, uma das áreas importantes de um estabelecimento de saúde, senão a mais, é a de recursos humanos. Gente. E a experiência mostra que é muito difícil fazer com que gente se inter-relacione de forma produtiva e convergente ao mesmo objetivo.
Uma das alternativas para se relacionar com gente é a utilização da terceirização. O Brasil não possui legislação sobre terceirização. A única referência escrita existente sobre o assunto é o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho [TST] de 1993, consistente na Súmula n. 331, que prevê regras gerais sobre o tema.

Diante do vácuo legislativo, foi apresentado projeto de lei à Câmara dos Deputados para regulamentar os “contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes”, em outubro de 2004. Sim, há onze anos.

No início de 2015 a discussão acerca do projeto de lei se acirrou e o tema da terceirização foi desfocado e descambou para guerra ideológica, com a discussão apaixonada de temas macros, fruto do momento político desfavorável ao governo. Fato é que a discussão técnica acerca do texto do projeto de lei foi prejudicada por manifestações de neófitos infiltrados para postergar a conclusão a respeito do tema.

Assistimos a terrorismo psicológico realizado por pessoas contrárias à aprovação do projeto de lei a partir da abordagem de assuntos que simplesmente não constavam da sua redação. Parecia que a terceirização era obra do capeta, tal o grau da sua demonização.

E nem se fale da acusação de que o projeto de lei “precariza o trabalho e as suas condições”, como defendem alguns, inclusive o Judiciário Trabalhista. E a sugestão de “coisificação” do homem, de “esvaziamento” da representação sindical e a fragilização do sindicato dos trabalhos? Onde é que isso está previsto no projeto de lei? A redação do projeto não propõe a extinção dos sindicatos e não há dispositivo do qual possa se fazer interpretação tão criativa.

Infelizmente, os histéricos ocos ganharam luzes, inclusive por meio da utilização da violência, e a discussão técnica se arrefeceu. E adormeceu de novo.

Tudo isso faz parte da democracia, que Winston Churchill afirmou ser “a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas.”

Importantíssima faceta do projeto de lei sobre a terceirização é a definição acerca da possibilidade de se contratar empresas que desenvolvam a atividade-fim da contratante. A Súmula 331, do TST, no inciso III, “permite” apenas a contratação para a realização de serviços ligados à atividade-meio do tomador.

Na área da saúde este tema ganha destaque e a sua não definição traz insegurança jurídica às pessoas que nela atuam, principalmente no que diz respeito à relação entre os hospitais [clínicas, laboratórios etc.] com os médicos que lhes prestam serviços por meio de pessoas jurídicas.

Diversos estabelecimentos já fecharam suas portas em razão de condenações trabalhistas em ações judiciais que reconheceram a existência de vínculo empregatício entre médicos que lhes prestavam serviços por meio de pessoas jurídicas, de forma espontânea e não coercitiva.

A aplicação cega da Súmula 331, TST, por parte do Judiciário, sem análise pormenorizada do contexto de sua existência, do mercado econômico e de trabalho e da prática adotada pela sociedade há décadas, faz com que este continue a ser gargalo jurídico que pode provocar o encerramento da atividade de várias entidades, pois não raramente as ações judiciais que tratam do assunto discutem o pagamento [ou não] de pequenas fortunas, dado ao elevadíssimo valor de remuneração dos médicos e de suas pessoas jurídicas nelas discutidos.

A maioria das pessoas que atua na área da saúde tem plena convicção que o médico não é o hipossuficiente que ocupa posição inferior na relação jurídica firmada com estabelecimentos de saúde.

A situação de tal profissional não é de vulnerabilidade intelectual, social, cultural, técnica, jurídica e nem econômica. Salvo as exceções de praxe, o médico não é subjugado pelos hospitais a ponto de depender do socorro salvador do Estado para lhe proteger.
Suas atitudes, atos, assinaturas, decisões e vontades não valem nada, a ponto de ele precisar ser tutelado pelo Judiciário tal qual o hipossuficiente genuíno criado pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que foi implantada no Brasil em 1943 por Getúlio Vargas (o ditador “pai dos pobres”, lembram?), a partir da cópia da Carta Del Lavoro italiana, promulgada em 1927 pelo regime fascista e entulhado de Mussolini?

O atual estágio de avanço da sociedade e a prática adotada pela esmagadora maioria dos estabelecimentos de saúde em relação aos médicos, há décadas, e em todo o país, deixa muito claro que essa relação jurídica existente na prática deve ser positivada como ela se dá e não como os manuais teóricos imaginam que ela deveria ser, a partir de princípios que foram relativizados pela inexorável ação do tempo.

É imprescindível que as entidades da classe da administração da saúde, inclusive e principalmente os administradores hospitalares, se unam de forma determinante para defender a possibilidade de terceirização da atividade-fim, pois isso vem ao encontro do que é praticado à saciedade pelo Brasil afora e trará segurança jurídica ao relacionamento havido com os médicos, no que diz respeito à sua relação comercial e profissional.

Josenir Teixeira
Advogado, Mestre em Direito

Fonte: CMB