No nosso país, faz 27 anos que se vivenciam intensos conflitos por recursos financeiros que assegurem o desenvolvimento de uma política pública universal da saúde, possibilitando o acesso integral à saúde da população brasileira. Isso é explícito no problema do financiamento do SUS, que se manifesta desde sua criação na Constituição de 1988. O Governo federal atual segue a mesma linha dos governos anteriores em que o SUS não foi considerado campo de investimento prioritário. De 1995 a 2014, o gasto com ações e serviços de saúde do Ministério da Saúde manteve-se praticamente o mesmo, em 1,7% do PIB, enquanto o pagamento de juros da dívida correspondeu, em média, a 6,5% do PIB. A continuidade da política econômica fundamentada no tripé – metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante -, adotada pelo governo federal desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), deu origem a constantes cortes de recursos impedindo o acesso à saúde pública, dada a situação de subfinanciamento que impõe ao SUS. Em 2014, mesmo se forem acrescidos ao gasto federal em relação ao PIB, o dos Municípios (1,1%) e dos Estados (1,0%), o país alcançaria 3,7%, ainda insuficiente para ser universal e garantir o atendimento integral. Para que o Brasil alterasse essa situação, precisaria dobrar a participação do SUS em relação ao PIB, a fim de equiparar à média dos países europeus com sistemas universais (Reino Unido, Canadá, França e Espanha), isto é, 8,3%.

A resposta do governo à crise econômica mundial, ao invés de promover uma diminuição no pagamento dos juros da dívida, resultou em um ajuste fiscal com um corte de recursos para a saúde de R$ 11, 8 bilhões, reduzindo o orçamento aprovado 2015, de R$ 103,2 bilhões para R$ 91,5 bilhões. Tal volume de recursos para o orçamento da saúde desse ano é menor que o gasto executado em 2014 que registrou R$ 91,9 bilhões. A situação para 2015 será ainda pior que o debilitado orçamento executado em 2014, que acabou por atrasar as transferências federais de dezembro a municípios, repassando-as apenas no final de janeiro deste ano.

Toda explicação do governo para a adoção desse ajuste fiscal apoia-se na seguinte afirmação: não temos fontes fiscais específicas e com a crise o Orçamento Federal está « esgotado ». Sabe-se que o Orçamento da Seguridade Social (OSS), formado pela saúde, previdência e assistência social, vem demonstrando superávits há vários anos. Mais recentemente, registre-se: em 2012, R$ 82,7 bilhões e, em 2013, R$ 76,2 bilhões. Grande parte desse superávit vem sendo transferido pelo governo federal para o pagamento de juros da dívida, em respeito, como dissemos, à política de manutenção do superávit primário e corte dos gastos das políticas de direitos sociais, como a saúde. O mecanismo criado para isso, desde 1994 e ainda em funcionamento, é bastante conhecido, intitulado Desvinculação das Receitas da União (DRU), em que 20% das receitas da seguridade social são retiradas e destinadas a essas finalidades. Os recursos retirados pela DRU foram: em 2012, R$ 58,1 bilhões e, em 2013, R$ 63,4. Entre 1995 a 2013, a perda de recursos para a Seguridade Social com a DRU correspondeu a cerca de R$ 641bilhões. Sabe-se que a continuação da DRU está garantida até 2015, quando possivelmente será colocada pelo governo federal a sua prorrogação, como o fez sistematicamente desde sua criação. A sociedade brasileira precisa saber disso para rejeitar a continuidade da DRU, que nesse ano e possivelmente no segundo semestre, será colocado pelo governo no Congresso Nacional para ser renovada. Daí, fica claro que recursos existem para se fazer um ajuste fiscal, sem cortar recursos da saúde, bastando o governo ficar ao lado da população brasileira que trabalha e não se alinhar aos arautos do capital financeiro, como vem fazendo.

Por fim, comprometido com a valorização de políticas sociais voltadas para a sociedade brasileira, o governo federal poderia priorizar a adoção de mecanismos de tributação para a esfera financeira – responsável pela grande riqueza nos últimos 35 anos -, por meio da criação de uma Contribuição Geral sobre as grandes movimentações financeiras, especificamente para quem movimenta mais de R$ 2 milhões mensais, com alíquotas progressivas, sendo destinado à Seguridade Social, consequentemente para a saúde. Se não forem discutidas, de um lado, a alteração da política econômica priorizando o direito social à saúde e, de outro, a adoção de novas propostas para ampliar o financiamento do SUS, possivelmente, os brasileiros, terão um futuro com maior dificuldade de acesso integral à saúde pública.

Fonte: Artigo publicado no jornal o Estado de S.Paulo, escrito por Áquilas Mendes (PROF. DR. LIVRE-DOCENTE DE ECONOMIA DA SAÚDE DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA USP)