O setor de saúde cresceu em número de usuários durante a pandemia – os convênios médicos ganharam 1,7 milhão de novos beneficiários entre junho de 2020 e julho de 2021 em todo o país. Os planos de saúde também conseguiram, mesmo diante da pandemia, bater o recorde de avaliação positiva: 84% dos beneficiários estão muito satisfeitos com os planos de saúde, segundo recente estudo realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Em 2019, esse índice era de 80%.

Hoje, de acordo com a Federação Nacional de Saúde (FenaSaúde), os convênios médico-hospitalares atendem mais de 48 milhões de brasileiros. Já os planos exclusivamente odontológicos cuidam de mais de 27 milhões de beneficiários.

No entanto, mesmo crescendo o número de beneficiários e mais brasileiros avaliando positivamente os planos, a saúde suplementar há muito tempo passa por desafios com forte aumento do custo médico. O desafio tem se tornado cada vez mais crítico, decorrente de evolução tecnológica, aumento da expectativa de vida dos brasileiros, envelhecimento da pirâmide etária do país e aumento significativo de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.

A saúde suplementar no Brasil passa por um de seus momentos mais críticos. Nos três primeiros trimestres de 2022, o setor acumulou um prejuízo operacional de R$ 11 bilhões. Esse cenário se agrava ainda mais diante das fraudes na saúde. Por ano, estima-se que o mercado tenha um impacto de R$ 28 bilhões com fraudes e desperdícios, conforme aponta o IESS.

Estabilizada a demanda ocasionada pela pandemia, os planos têm registrado um crescimento discreto do número de beneficiários perto da expansão populacional e tampouco consegue alcançar o pico de 53 milhões que teve em 2014. Além disso, o aumento dos microempreendedores individuais, MEI’s, e de empregados terceirizados também faz com que menos empregados possuam acesso aos planos de saúde diretamente pela empresa, fato que trazia garantia às pessoas e estabilidade nos números. Assim como muitos outros segmentos, o desempenho do setor de saúde suplementar está estritamente ligado à oferta de emprego e renda.

Para fechar a conta e poder manter o atendimento, as operadoras aplicam reajustes. Neste ano, pelo cenário desafiador, o reajuste anual de preços aplicado pelas empresas nos primeiros meses do ano foi recorde.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou a taxa de 15,5% como limite máximo para o reajuste no valor de planos de saúde individuais e familiares, até abril de 2023. Esse foi o maior teto já aplicado pelo órgão regulador, que em 2021 havia estipulado uma taxa de 8,17%.

Com este crescimento percentual do limite imposto pela ANS, é esperado que os planos tradicionais sofram com aumento significativo de preço. Com a portabilidade, é comum que os beneficiários procurem por opções de planos de saúde mais acessíveis, provavelmente perdendo em coberturas, fazendo downgrade no benefício quando não deixando de contar com a proteção.

A facilidade na alternância incentiva a prática conhecida no mercado como rouba-monte, em que as empresas perdem e ganham clientes umas para as outras, mas o setor não cresce com novos entrantes, e em um produto tão aspiracional como o seguro saúde.

As operadoras seguem tocando o negócio, já que a legislação permite que repassem os reajustes, mas cada pessoa que não suportar os custos irá se utilizar do sistema público de saúde. Imagine se todos dependessem do SUS? Se não existe a saúde suplementar, o caos seria absolutamente pior.

No entanto, a iniciativa privada tem sofrido pressões de todos os lados. As empresas contratantes de planos de saúde para seus colaboradores não conseguem mais suportar tantos reajustes. As empresas B2B têm sofrido alta de 50% ou 60% do contrato de plano de saúde, impulsionados pelos pontos já abordados, como evolução da tecnologia médica, envelhecimento da população, sinistralidades mais altas, além do aumento do dólar – tudo isso faz os custos médicos aumentarem consideravelmente.

Outro fator que causa aumento e desafia as empresas são as fraudes médicas, cometidas por médicos e beneficiários dos planos. Entre as diversas práticas, está a costumeira quebra de reembolso, que quem pratica muitas vezes acredita ser uma atitude inocente, e que a ideia pode partir tanto do paciente como do próprio médico.

Também temos a costumeira má utilização dos planos de saúde por parte dos beneficiários. Um atendimento de consultas e exames, fora medicação e materiais, faz o custo de atendimento no pronto socorro custar cinco vezes mais do em consultas eletivas e tratamentos preventivos. As operadoras têm trazido de volta a figura do médico de família, como parte do programa de medicina preventiva, incentivando que o cliente busque o hospital somente quando, de fato, for emergência. As empresas têm buscado trabalhar a prevenção da saúde ao invés de atuar na cura da doença – nesse modelo os tratamentos custam muito menos e são, por muitas vezes, mais assertivos.

Dessa forma, investir em conscientização das pessoas na utilização correta do plano de saúde; focar na prevenção, atenção à saúde primária ao invés de atuar quando a doença já está instalada; incentivar o retorno do médico da família, além de sair do papel o projeto de prontuários eletrônicos, podem ajudar muito na democratização e acesso aos planos no Brasil – o que é objetivo de todos.

Christianne Piola é Executiva com mais de 15 anos de experiência no mercado de seguros e saúde, Superintendente Comercial na Galcorr. Formada em Administração, possui MBA em Marketing e diversos cursos de especialização e gestão

Fonte: Saúde Debate