Mesmo enfrentando uma grave crise há anos, o setor de Saúde se vê diante de uma nova ameaça: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 143/2015. O projeto, apresentado pelo Senador Romero Jucá (PMDB/RR), pretende alterar os artigos 76, 101 e 102 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que tratam da desvinculação das receitas de 25% da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados nos próximos quatro anos. Se a PEC for aprovada, os Estados, o Distrito Federal e os municípios vão poder aplicar em outras despesas parte dos recursos hoje vinculados às áreas da Saúde, Educação, Tecnologia e Pesquisa. As entidades ligadas à Saúde se posicionaram contra a proposta e a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) enviou um ofício aos senadores pedindo o arquivamento do projeto. As Federações também fizeram o mesmo trabalho junto à bancada de cada Estado.

Para Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil vive um momento de sucessivas mudanças e uma crise econômica que tem repercussões muito severas nas contas públicas. Nesse cenário, o governo encontrou na PEC 143/2015 uma solução para recuperação das finanças da União e dos Estados. Mas, segundo Torres, é preciso, antes de mais nada, construir uma agenda de recuperação do setor de Saúde no Brasil. “Isso passa, necessariamente, por uma compreensão do papel do SUS na estrutura e, igualmente, o que pode ser feito para assegurar um financiamento do mínimo. O caminho deveria ser encontrar soluções que tenham a menor afetação possível a esses gastos”, explica.

Com relação ao projeto, o professor aponta uma grande preocupação: na opinião dele, a desinflação de receitas está sendo votada somente com o sentido de liberação de recursos vinculados para atender às demandas de crise econômica. “O grande problema é que essa solução encontrada não vem acompanhada de um plano de ações para a recuperação da Saúde no Brasil, um plano de solução para as questões da saúde à medida que se propõe reduzir a capacidade de financiamento desses benefícios, já que o sistema é único”, declara.

Esse plano, segundo Torres, deveria apontar de onde o governo federal pretende retirar os recursos para prover as necessidades da Saúde. Ele ressalta que “não se pode aceitar que a PEC tenha unicamente a função de desvinculação de receitas sem que isso traga automaticamente um dever de organizar o orçamento público, a forma como serão feitas essas reposições”.

Para José Luiz Spigolon, diretor-geral da CMB, o Brasil vive uma conjunção de crise moral, econômica, fiscal e política de grandes proporções. Ele lembra que Michel Temer, que assumiu interinamente o país no início de maio, já fala num déficit nas contas públicas maior do que aquele anunciado pela equipe do governo anterior. Por isso, Spigolon acredita que muitas surpresas ruins virão, à medida que se conheça a real situação da Caixa Econômica Federal (CEF), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras estatais sob investigação. O diretor cita que a Saúde pública já vem sendo muito afetada pelos contingenciamentos aplicadospela presidente afastada Dilma Rousseff e motivados pela queda na arrecadação fiscal. Por isso, na avaliação dele, a médio e curto prazosnão se vislumbra qualquer possibilidade de mais recursos para o financiamento das ações e serviços de Saúde.

Sobre a PEC 143, Spigolon aponta que a principal consequência será a redução de recursos para o setor. “Os recursos, que já são insuficientes para atender às demandas da população, serão ainda menores. Caso essa desvinculação seja aprovada pelo Congresso Nacional, os prejuízos serão para a população usuária dos serviços ofertados pelo SUS e, certamente, a situação piora pela dificuldade em encontrar atendimento na quantidade e qualidade necessárias para atender toda a demanda. Menos dinheiro na saúde, mais dificuldade para manter os serviços”, garante.

Com todas as dificuldades enfrentadas pelo segmento, Spigolon reforça que a CMB tem colocado toda a sua estrutura de diretores e equipes técnicas em permanente estado de alerta, observação e estudo sobre tudo o que realmente vem acontecendo no país, especialmente no setor. Além disso, essa equipe busca fazer análises de cenários para transmitir às Federações estaduais e aos hospitais associados orientações seguras e que possam servir como ferramentas de planejamento para enfrentar esse estado de crise. Nesse cenário,o diretor-geral da CMB sugere cautela na contratualização ou recontratualização de serviços e lembra que as instituições de Saúde não devem mais aceitar contratos que conduzem ao déficit e ao progressivo endividamento das instituições junto a bancos e fornecedores.

 

“Isso não pode mais prosseguir. É fundamental que busquem, em suas relações com os gestores municipais e estaduais de Saúde, o necessário equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Não sendo assim, é melhor reduzir os atendimentos e, se for o caso, parar de atender os beneficiários do SUS.Numa outra ponta, a CMB tem atuado fortemente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para impedir a votação de projetos de lei que onerem e dificultem ainda mais a vida das santas casas e hospitais sem fins lucrativos. As Federações também têm atuado junto às respectivas bancadas de parlamentares. No que se refere ao Ministério da Saúde e outros órgãos federais, a CMB tem estado alerta e atuante para, pelo menos, tentar reverter a situação que aí está”, completa.
Desemprego e impacto no SUS

Outro ponto que preocupa a Saúde no Brasil é o crescente índice de desemprego, que tem impacto direto no sistema. De acordo com José Luiz Spigolon, dos mais de 11 milhões de brasileiros desempregados, uma grande parcela era beneficiária de planos de saúde ofertados pelos antigos empregadores. Com a perda do emprego, essas pessoas acabam tendo que utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS), juntamente com seus dependentes.

“Hoje, tudo isto está pressionando o SUSpor mais consultas, mais leitos, mais remédios. Ou seja, a demanda por serviços médicos cresce enormemente, clamando por um financiamento maior e atualmente inexistente. Infelizmente os governos federal, estaduais e municipais não estão preparados para enfrentar essa pressão nos serviços públicos de Saúde”, explica.

Segundo o diretor, os hospitais públicos e privados, com ou sem fins lucrativos, que atendem ao SUS, vêm, há muito tempo, reduzindo atendimentos, leitos e até mesmo fechando alguns serviços, tudo em decorrência do subfinanciamento. A tendência, de acordo com Spigolon, é que essa situação se agrave ainda mais.

“Na minha visão, há pouco o que fazer para revertê-la e dar conta das novas demandas. A opção será os governos jogarem duro com os gestores e os servidores dos hospitais públicos e universitários e cobrarem uma eficiência maior do que a atual. Essas unidades públicas de saúde têm apresentado baixíssima produção, diante da capacidade instalada e dos recursos humanos que detêm. Precisam dar uma resposta positiva ao povo brasileiro que banca os seus investimentos e paga os seus salários”, sugere.