Depois de um processo de quase três anos de discussões no Conselho Federal de Medicina (CFM), entrou em vigor em abril deste ano o novo Código de Ética Médica (CEM), que traz uma versão atualizada de um conjunto de princípios que estabelece os limites, os compromissos e os direitos assumidos pelos médicos no exercício da profissão.

De acordo com Donizetti Dimer Giamberardino Filho, conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), conselheiro representante do Paraná no Conselho Federal de Medicina (CFM) e atual coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, os códigos de ética vêm sendo renovados a cada período de tempo, já que com as mudanças na sociedade, a ética e os valores morais também passam por transformações.

O primeiro Código, de 1988, coincidiu com a criação da Constituição Federal Brasileira. Depois, foi feito um novo código em 2009, agora reformulado com pequenas, mas relevantes modificações.

Segundo Martim Afonso Palma, assessor jurídico do CRM-PR, uma das grandes novidades diz respeito ao médico com deficiência, sendo a primeira vez que um Código de Ética profissional faz referência ao tema. Ele explica que o documento trouxe a questão da isonomia de tratamento ao médico portador de deficiência, determinando ser seu direito, desde que dentro de seus limites de capacidade e observando a segurança dos pacientes, exercer a profissão sem qualquer discriminação.

O novo Código enfatiza ainda o respeito à autonomia do paciente, inclusive na fase da terminalidade da vida. “É um diploma de vanguarda nesse tema, uma vez que se o paciente e familiares entendem que se deva respeitar a não submissão a tratamentos agressivos no fim da vida, em doença irreversível, poderão, sim, optar por tratamentos paliativos”, explica Palma.

Outra mudança apontada pelo assessor jurídico e que atingirá o dia a dia dos médicos e das instituições é a remessa de prontuário médico. “Ficou sedimentado no CEM que o médico ou hospital, para atender ordem judicial, deverão remeter cópia dos documentos médicos. Na resolução revogada, o prontuário deveria ser disponibilizado para perito, o que trazia grande número de indagações no departamento jurídico do CRM, uma vez que os ofícios requisitando não esclareciam se o material iria apenas para o perito. Agora, o médico e a instituição ficam protegidos pela remessa ao Poder Judiciário, sem receio de desdobramentos desfavoráveis. As outras formas de franquear o prontuário são quando o médico necessita para sua própria defesa, significando dizer que não há sigilo quando o médico é demandado, podendo usar as informações de prontuário para sua defesa, e, finalmente, quando autorizado por escrito pelo paciente”, esclarece.

Sobre esse assunto, Palma destaca, ainda, que o CRM-PR e seu departamento jurídico sempre reforçam especial atenção dos médicos e hospitais à importância do correto e completo preenchimento dos documentos médicos, já que o prontuário médico deve revelar a exata dimensão do tratamento realizado, ser fidedigno e conter todos os exames, a anamnese, bem como os achados do exame físico.

“Infelizmente, nas demandas que deságuam no Tribunal Ético do CRM ou mesmo do Judiciário, nos deparamos com prontuários pobres, em que o médico, na defesa, alega que tomou a medida ‘X’ ou ‘Y’ sem existirem os apontamentos do ato no prontuário médico, o que deixa frágil a afirmação”, reforça.

O assessor jurídico complementa: “ao cumprir o Código, o profissional sempre terá boa defesa para seus atos. O documento assegura uma relação médico-paciente franca e esclarecida e evita dissabores profissionais”.

Publicidade

Além das mudanças apontadas, o assessor jurídico do CRM-PR também revela que a publicidade médica trará impacto no dia a dia dos profissionais e das instituições, uma vez que o novo código exige que, nos anúncios, deverá constar o Registro de Qualificação de Especialista (RQE), fornecido ao médico que possui o registro da especialidade junto ao CRM.

Os artigos referentes à publicidade médica permanecem considerando vedada a autopromoção e o sensacionalismo, como dizer, por exemplo, que o profissional é o “melhor pediatra”. “Essa foi uma das formas encontradas pelo Conselho para proteger a população.

Hoje, os problemas mais frequentes são anúncios com falsas promessas, propagandas enganosas, principalmente na área de estética, e no tocante a oferecer serviço com desconto. Tudo isso é vedado, assim como vinculação mercantil com prescrição também é vedada. O que mudou recentemente foi que, por uma ação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), tínhamos resolução sobre cartões de desconto, e era vedado ao médico vincular-se a esses cartões de desconto. Por força do CADE, o Conselho Federal deve obedecer, então não é mais proibida essa participação. Na mesma linha, o órgão permitiu que o médico coloque o valor da consulta”, explica Giamberardino.

Segundo o conselheiro do CRM-PR, os profissionais e hospitais devem estar atentos também à privacidade de dados, pois o grande risco é que as pessoas confundam o uso de mídias sociais com prontuário médico. Giamberardino lembra que ferramentas como WhatsApp e Facebook são meios de comunicação, mas não são reconhecidos como registro de prontuário, justamente porque têm fragilidades.

“Um prontuário eletrônico, para ser reconhecido e utilizado, precisa ter uma série de itens, como forma de criptografia que permita rastreabilidade para segurança dos dados pessoais. Existe uma Lei de dados aprovada bastante complexa sobre responsabilidade da preservação dos sigilos pessoais. Não se pode pegar um exame pessoal do paciente que permita identificação e replicar. Toda informação médica pertence ao paciente, e o médico tem o dever de sua guarda”, salienta o conselheiro.

Comissão de Ética Médica

Antes mesmo de entrar em vigor o novo código, o Conselho de Medicina já previa a obrigatoriedade, para hospitais com mais de 30 médicos, de possuir uma Comissão de Ética Médica. Além de estar registrada no respectivo Conselho Regional, a comissão deve estar organizada de acordo com seu próprio Regimento Interno.

Segundo Thalita Candido, assessora jurídica da Femipa, as comissões servem como órgãos de apoio aos trabalhos dos Conselhos Regionais de Medicina dentro das instituições de assistência à saúde, com funções investigatórias, educativas e fiscalizadoras do desempenho ético da Medicina.

“O Código de Ética Médica reforça a importância dessas comissões, exigindo, através do art. 57, que os profissionais denunciem eventuais atos que contrariem os postulados éticos. Os gestores devem estar atentos à obrigatoriedade das comissões para hospitais com mais de 30 médicos, verificando se elas foram constituídas de acordo com o disposto na Resolução CFM n° 2152/2016, sobretudo no que diz respeito à quantidade de membros, ao processo eleitoral e às competências”, informa.

No Hospital da Cruz Vermelha, em Curitiba, a comissão conta com cinco membros médicos do corpo clínico, sendo um presidente e um secretário. A escolha é feita por votação entre o corpo clínico do hospital.

Segundo Francisco Emanuel de Almeida, presidente da Comissão de Ética da instituição, o grupo discute temas que envolvem apuração de possíveis infrações éticas no exercício profissional da Medicina e buscam zelar pela boa prática médica, defendendo os preceitos do perfeito exercício ético e profissional.

“É de grande importância que as instituições desenvolvam as comissões. Além de apurar informações sobre possíveis infrações éticas, possui caráter de orientar os médicos no exercício profissional de forma ética e valorosa. Incentivamos que todas as comissões tenham o caráter educativo e orientador na boa prática médica”, conclui.

Fonte: Jornal Voz Saúde