sistema de saúdeAs reportagens que abrem as páginas da seção de economia da edição de hoje do Correio fornecem um relato preciso da realidade do setor de planos de saúde e um retrato preocupante da situação vivida por uma parcela crescente dos habitantes do país: os idosos. Nos últimos 20 anos, o Brasil passou por transformações significativas, e uma das mais expressivas foi o envelhecimento relativo de sua população. Em 1980, os brasileiros tinham, ao nascer, uma expectativa de vida de 62,5 anos. Em 2010, ela atingiu 73,8 anos.

É de se comemorar que, nessas três décadas, o tempo de vida das pessoas tenha aumentado. Resultado de vários fatores — melhoria das condições sanitárias, urbanização, crescimento da renda, queda da mortalidade infantil — o sucesso, no entanto, lança desafios para o presente e para o futuro. Um deles é como garantir atendimento médico de boa qualidade e acessível aos cidadãos que, por terem alcançado idade mais avançada, demandam, naturalmente, mais serviços de saúde.

Criado pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) não conseguiu atender aos dois critérios. Hospitais mal aparelhados, instalações precárias, demora no atendimento e superlotação são condições rotineiras que atestam a má qualidade da maior parte da rede pública. As carências do SUS motivaram, nos últimos anos, o crescimento exponencial do setor de planos privados de saúde. Milhões de pessoas cuja renda o permitia, optaram por desembolsar uma quantia mensal para ter assegurado o atendimento médico em caso de necessidade. A rede pública ficou para os mais pobres. Agora, mesmo grande parte da classe média se confronta com o encarecimento vertiginoso das mensalidades e se vê diante da perspectiva de ter que abrir mão do serviço.

Custo proibitivo A situação é mais dramática para quem não trabalha no governo ou em empresas que podem bancar, ao menos em parte, o custo da assistência médica. As pessoas que procuram contratar um plano individual se surpreendem com o preço elevado cobrado pelas operadoras. Isso quando tais planos existem, já que grande parte das administradoras simplesmente deixou de comercializá-los. Hoje, apenas um quinto dos convênios médicos existentes no mercado são individuais.

O que mais se vendem são planos “coletivos” em que o cliente é induzido a se filiar a alguma associação, muitas vezes meramente de fachada, sob o argumento de que, desse modo, a prestação será menor. O que não fica claro ao consumidor é que, dessa forma, ao contrário do que ocorre nos planos individuais de verdade, o reajuste das mensalidades é arbitrado pela operadora, sem qualquer controle da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão responsável por supervisionar e fiscalizar o setor. Em pouco tempo, o cidadão é surpreendido por aumentos de 15%, 20% ou 30%, que tornam proibitivo o custo do convênio. Tudo isso ocorre debaixo das vistas da ANS, que prefere acreditar no poder de barganha das tais associações para negociar com as administradoras.

Queda de renda

Para os idosos, o problema se agrava. Por lei, depois que os beneficiários completam 60 anos, as operadoras são proibidas de reajustar os convênios acima do percentual médio autorizado para os planos individuais. Mas, até aí, são permitidas correções devido a mudanças de faixa etária. Por isso, aumentos bastante salgados costumam ser aplicados pouco antes de os clientes atingirem essa idade. Cria-se, assim, uma situação em que despesas essenciais crescem de forma acentuada, numa etapa da vida em que as pessoas geralmente vão enfrentar uma queda de renda, em função da aposentadoria.

Se o encarecimento tornar os planos de saúde inviáveis para grande parte de seus usuários, sobretudo os mais velhos, o resultado pode ser uma pressão ainda maior sobre o já combalido SUS. Uma das principais reivindicações dos manifestantes que foram às ruas das principais cidades do país, há pouco mais de um mês, foi um serviço público de qualidade compatível com um país com o potencial econômico do Brasil. Se uma nova leva de consumidores procurar o sistema estatal, sem que ele seja preparado para isso, a tarefa ficará muito mais difícil. Até agora, na tentativa de responder à exigência das ruas, tudo o que o governo conseguiu foi envolver-se numa polêmica com os profissionais da área em torno do controvertido programa Mais Médicos.

Intervenção

O sistema de planos privados é apenas uma parte do problema da saúde no Brasil, e, nem de longe, o maior deles. Mas precisa ser tratado com cuidado. O envelhecimento relativo da população vai exigir cada vez mais que sejam reavaliadas as políticas públicas para esse e para outros setores. No caso da saúde, as operadoras reclamam que o excesso de intervenção governamental acaba contribuindo para aumentar os custos. Mas nem tudo pode ser simplesmente deixado à lei do mercado.

A convivência entre administradoras e beneficiários de convênios não acontece por meio de uma relação de consumo tradicional, em que as partes têm facilmente a opção de desfazer o negócio, buscar um fornecedor alternativo ou adiar o fornecimento do serviço. Mudar de plano significa passar por novos períodos de carência, durante os quais algumas enfermidades ou procedimentos médicos não têm cobertura. E quem está doente nem sempre pode esperar pelo atendimento até encontrar uma solução mais em conta. Como diz o ditado, com a saúde não se brinca.

Fonte: Correio Braziliense