Apesar de não ser médico, o engenheiro Sandro Cimatti sempre trabalhou no ramo da saúde. Em 2018, por meio de sua empresa de consultoria e pesquisa de mercado, a CVA Solutions, Cimatti realizou um estudo com 6.400 brasileiros que utilizam planos de saúde.

Os resultados da pesquisa deram origem ao livro “Saúde XXI e Felicidade”, que será lançado na próxima segunda-feira (10).

Na análise do estudo, a consultoria descobriu que falta aos planos de saúde maior engajamento com o paciente, além de programas de prevenção de doença e promoção da saúde.

A publicação é dividida em cinco partes: a primeira sobre a evolução da medicina ao longo da história, a segunda sobre o conceito de felicidade sustentável (desenvolvido a partir de outra pesquisa feita pela CVA Solutions), a terceira sobre o estudo realizado este ano acerca dos planos de saúde, a quarta sobre economia da saúde e última com análises de empresários que atuam no setor privado de saúde.

Em entrevista à EXAME, Cimatti analisa o sistema de saúde brasileiro e oferece saídas para melhorar o atendimento e a qualidade de vida dos brasileiros. Para ele, por meio da tecnologia e do incentivo à medicina familiar, é possível desafogar os sistemas de saúde, tanto público quanto privado, e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros.

EXAME: Como surgiu a pesquisa para o livro?

Sandro Cimatti: Nós temos participado bastante do mercado de saúde. Já estudamos esse mercado de planos de saúde, de hospitais, drogarias, medicina diagnóstica, planos odontológicos. Fazemos isso há bastante tempo. Estamos percebendo que está mudando o mercado, tanto no setor público como privado. Em ambos os setores há maior conscientização para necessidade de atenção primária. O paciente deveria ir para um hospital em último caso. Antes, ele deveria passar por programas de atenção à saúde e de prevenção. Com isso, você reduz o custo e evita que a situação se agrave. Isso vem acontecendo. Há muito tempo se fala de prevenção e promoção, mas ainda se tem muita dificuldade de engajar o paciente. Nas últimas ondas do nosso estudo, a gente quis medir isso. O paciente acha bom programas de prevenção, mas não participam. As operadoras acabam aplicando programas de prevenção mais para doentes crônicos, para os saudáveis não. Existe uma necessidade evidente de reformar o sistema. Estudando o que foi feito em outros países, casos da Holanda, Singapura, você vê que de fato a solução do sistema de saúde passa por atenção primária, programa de prevenção e promoção de saúde, engajamento do consumidor, uso da tecnologia para engajar o consumidor. Nós percebemos essas mudanças e a necessidade de uma mudança mais profunda, até pelo lado econômico.

A qualidade de saúde no Brasil é boa?

Sim. Se você comparar com outros países do nosso grau de desenvolvimento, a saúde não é um ponto fraco no Brasil. Temos um sistema universal que tem países desenvolvidos que não têm. Mas tem pontos a serem melhorados, como das esperas e o atendimento primário. Na rede particular, pode faltar ter o histórico de saúde. Se tivesse um médico de família, um atendimento constante, um prontuário eletrônico, estaria ali um histórico, existiria uma continuidade. Está tendo um resgate do médico de família, que trata continuamente e tem um histórico do paciente.

Por que isso se perdeu ao longo dos anos?

Havia essa noção do especialista, da tecnologia. Com o tempo, sem dúvida isso são pontos positivos, desde que não se perca o generalista, o histórico de saúde, a atenção primária. Nem todo mundo precisa de um especialista, precisa fazer uma ressonância magnética. Tem coisa que se resolve com cuidado básico, uma conversa, com alguém que conhece a saúde do paciente. E não precisa ir num hospital. Acho que se perdeu por isso.

E o que sai mais caro? Investir em tecnologia e especialista ou atenção básica?

Ter um especialista e a tecnologia custam mais caro do que ter a atenção primária. Ir ao hospital custa ao plano de saúde, ou para o SUS, muito mais do que ir numa clínica de saúde ou na UBS (Unidade Básica de Saúde). Quando você vai a um laboratório, como o Fleury, por exemplo, eles têm um prontuário eletrônico. Isso é bom, mas nem todo o mundo tem dinheiro para ir ao Fleury. Seria bom que outros médicos ou laboratórios pudessem acessar esse prontuário eletrônico, por isso seria bom que houvesse um plano digital do cidadão, desde que se preserve a confidencialidade. É uma saída acessível, porque ficou mais barata a telecomunicação, armazenagem de dados. Um celular barato faz o mesmo que um computador de anos atrás. Mesmo quem não tem dinheiro, consegue ter um celular. A tecnologia poderia baratear os custos da saúde porque você cria um prontuário eletrônico, com o histórico você tem menos erros médicos. Na Holanda, quando o paciente tem alguma coisa, o médico vai até ele. Coisas simples podem ser feitas sem grandes distâncias. Se for complexo, você encaminha para o hospital. No futuro, pode ser aplicada até a telemedicina. Poderiam ser feitas consultas à distância. Não é ideal, mas pode ser feito. Existem mais de 50 mil drogarias no país e seis mil hospitais, que são pontos em que poderia ter atendimento por telemedicina. O que é mais barato: Ser atendido em farmácia ou em um hospital? O hospital deve ser usado para casos mais sérios. Isso é possível e gera menos custo.

Você fala no livro sobre a felicidade sustentável. O que é esse conceito e como ele se relaciona com a saúde?

A ONU tem o estudo da felicidade que é realizado em vários países. Aqui no Brasil faltava algo sobre o tema e nós fizemos um estudo em 2016. Descobrimos algumas coisas interessantes sobre o que as pessoas muito felizes fazem de diferente das pessoas menos felizes. Chegamos a um fórmula da felicidade com algumas atitudes positivas. O conceito está relacionado à saúde pela própria definição da OMS (Organização Mundial da Saúde) de saúde integral, que envolve saúde mental e saúde física. Se você estiver bem equilibrado na vida, o corpo estará melhor.

Tem uma questão no livro sobre o envelhecimento da população. Será um problema no futuro?

Estamos vendo isso no mundo inteiro. Será um problema para o Brasil. A partir dos 60 anos, aumenta muito o preço do plano de saúde. Sabemos que, por mais que uma pessoa se cuide, o jovem tem mais saúde. Os idosos às vezes não têm poupança e têm problema de saúde. Para os planos, eles dão mais custos, porque vão mais a hospital, fazem mais exames. O caso da Prevent Sênior, por exemplo, é pioneiro, porque foca no público acima dos 50 anos. É interessante porque pegou um mercado grande que ninguém quer. Os idosos dão custo, mas se pegar essas pessoas e fizer prevenção, promoção de saúde, elas terão menos problemas e vão custar menos.

A Prevent Sênior é uma empresa que se sustenta?

O que pode parecer uma desvantagem de planos desse tipo, que você tem que ir na clínica do plano, mas isso pode ser uma vantagem porque eles fazem um tratamento integral da pessoa e tem todo o histórico dela, consegue aplicar o conceito do médico de família. Esses planos verticalizados têm essa vantagem. A Prevent Sênior, fazendo isso, é focada na terceira idade e tem potencial de crescimento, porque a fatia de pessoas nessa faixa etária está aumentando e de jovens diminuindo. Nos planos de saúde, você paga e existe o risco de usar muito ou pouco. Tem pessoas de mais idade que usam muito e os que usam pouco. Por isso, equilibra a conta.

Exemplos como o da Holanda que são citados no livro podem ser adotados no Brasil?

Sim. Tem o exemplo de Curitiba, que é citado no livro, que tem visitação nos domicílios, prontuário eletrônico. É possível sim. Alguns planos de saúde, como a SulAmérica também têm uma atenção de fazer visita em casa, esse tipo de coisa.

Fonte: Exame