Os três estados da Região Sul do Brasil vivem, há aproximadamente uma semana, o colapso no atendimento de pacientes com coronavírus. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) classificou 20 unidades da federação em “zonas de alerta crítico”, entre elas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que estão com mais de 90% da capacidade das unidades de terapia intensiva esgotadas.

Especialistas ouvidos pelo G1 atribuem a lotação das UTIs a diversos fatores: progressão rápida do vírus, especialmente da variante brasileira, relaxamento da população e falta de gestão das autoridades.

Sem margem para ampliação de leitos que acompanhe o crescimento desenfreado de contágio, a equação não fecha. A falta de recursos, principalmente humanos, torna difícil de contornar o problema a curto prazo, segundo o secretário de Saúde do PR, Beto Preto.

“Nós estamos no limite de recursos humanos. O Conselho Regional de Medicina editou uma nova normativa aceitando uma equipe médica a cada 15 leitos de UTI, antes era uma equipe médica a cada 10 leitos. Está nos ajudando isso”, apontou.

Se isso não basta, a necessidade de mudança de comportamento é urgente. O RS está, há duas semanas, em bandeira preta e com restrição de atividades das 20h às 5h.

No PR42 Unidades Básicas de Saúde (UBS) serão fechadas e transformadas em pronto-atendimento, enquanto as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) passam a atender como unidades de internação para Covid-19.

E, em SC, foi preciso transferir pacientes para o Espírito Santo, mas o serviço terá de ser suspenso após aumento de hospitalizações no outro estado.

É preciso parar, apontam os especialistas. O vírus e a circulação. Para o presidente da Regional do RS da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), o médico Wagner Nedel, a disseminação da variante P.1, considerada mais transmissível e causadora de sintomas mais intensos, e a “confiança” da população, que diminuiu o isolamento social, aceleraram a progressão de casos.

“Acho que tem causa bem clara para isso foi a progressão de casos graves de uma maneira muito rápida, acelerada. Tínhamos um momento de estabilidade e a população começou a ter mais confiança”, apontou.

O epidemiologista e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Airton Stein também relaciona a postura da sociedade com a ocupação dos hospitais, e cobra uma melhora na atuação dos gestores públicos.

“[É necessário] Melhorar o sistema de informação entre o gestor municipal e a população de uma forma que entenda a relação direta da falta de comprometimento entre o comportamento populacional e o aumento muito rápido de ocupação dos leitos nas unidades de atendimento hospitalar”, disse.

Ocupação das UTIs

A capacidade de atendimento em leitos críticos do Sistema Único de Saúde (SUS) estava próxima do esgotamento no RS, com dados atualizados na manhã desta quarta-feira (10), e em SC, cujos números mais recentes foram divulgados no final da noite de terça (9).

O cenário também era preocupante também no PR, que informou a taxa de ocupação de vagas de UTI no boletim epidemiológico diário, também na terça.

A situação se agrava quando são observados os diferentes critérios adotados por cada estado para contabilizar os casos.

No Rio Grande do Sul, o governo estadual soma leitos de UTI no SUS com os da rede privada. A taxa de ocupação está acima de 100% de ocupação desde 2 de março. No entanto, a partir do último final de semana, o estado deixou de divulgar a porcentagem geral da ocupação de vagas, alegando que os hospitais podem atender além dos 100%, utilizando as demais áreas das instituições, conforme o nível 4 do Plano de Contingência. Na manhã desta quarta, as UTIs privadas estavam com 124% de lotação.

No Paraná, a Secretaria da Saúde divide as vagas de UTI do SUS entre as exclusivas para pacientes com coronavírus, com ocupação de 95,4% na noite de terça, e as que atendem pacientes com outras doenças, com ocupação de 65,9%. Na soma, são 2.594 leitos com 2.156 pacientes internados (83,1%). As vagas são realocadas conforme a necessidade.

No Boletim Epidemiológico divulgado diariamente, Santa Catarina contabiliza a ocupação de leitos de UTI adulto no SUS, observando os pacientes com Covid-19, os pacientes por outras enfermidades e as vagas livres. O estado tem 1.310 leitos e 1.304 estão ocupados (99,5%).

Ampliação da rede

Em janeiro de 2020, antes dos primeiros registros de Covid-19 no Brasil, a Região Sul contabilizava 4.175 leitos de UTI na rede pública, segundo relatório da AMIB. Um cálculo da entidade revelava a proporção de 1,8 leito a cada 10 mil habitantes.

número era igual ao da Região Sudeste e superior aos do Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Além disso, a relação estrava dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, de 1 a 3 leitos a cada 10 mil pessoas.

Nesta quarta-feira, conforme dados dos governos estaduais, eram 6.115 vagas de terapia intensiva para adultos disponíveis no SUS nos três estados, 1.940 a mais do que no início de 2020.

Estrutura de atendimento

Para o presidente da AMIB no RS, Wagner Nedel, a ampliação das vagas de UTI foi feita rapidamente. Entretanto, o médico alerta para o risco de piora no quadro.

“A gente nunca teve tanto leito de UTI e está vivendo o pior momento. Numa fase muito abrupta, nunca chegou a faltar leito para a população de maneira ostensiva. Se a gente não quebrar este processo, não vai ter o que fazer. Os contaminados de hoje, talvez quando eles ficarem piores daqui a 10 dias. Não vai ter leito pra eles”, afirmou.

O professor da UFCSPA Airton Stein lista uma série de fatores que considera importantes, como problemas na atenção básica, a capacidade de testagem e vacinação da população, vulnerabilidade social e cuidados para com idosos e profissionais de saúde.

O médico, que atua nas áreas de família e comunidade, afirma que o principal problema é a falta de coordenação no sistema de saúde.

“Falta de coordenação, colaboração, compartilhar os dados da vigilância epidemiológica com o propósito de melhorar o sistema de saúde”, comentou.

Na avaliação de Nedel, a simples abertura de leitos não resolve o problema, uma vez que as estruturas demandam de recursos humanos e tecnológicos.

“Abrir UTI é muito mais complexo do que abrir um puxadinho. É um cenário apocalíptico. Cada paciente consome oxigênio, sedativo, relaxante muscular, soro, outros insumos… Cateter, eletrodo, maquina de hemodiálise, exame laboratorial, ultrassonografia. Isso é uma cascata. Começa com o leito, mas vem uma série de outros insumos. Para mim, é irreal ficar abrindo leitos. Não é uma solução mágica”, observou.

Stein, por sua vez, sugere o investimento em ciência e tecnologia para aliviar o sistema na ponta.

“Há necessidade de investir na ciência e tecnologia para buscar soluções inovadoras para reorganizar o sistema de saúde, como, por exemplo, a telemedicina, a qual é essencial para auxiliar no manejo da crise do sistema de saúde devido à Covid-19”, explicou.

A solução mais próxima do alcance da sociedade, para o representante da AMIB, passa pelo aumento no isolamento social.

“Espero que já tenham se dado conta de que o único jeito pra quebrar esse processo é reduzir a circulação do vírus”, afirmou Wagner Nedel.

Autoridades

Os secretários da Saúde dos três estados do Sul do Brasil reconhecem a gravidade do momento. Além dos possíveis fatores que motivaram a alta de casos, os gestores avaliam a estrutura oferecida em cada localidade.

Segundo responsável pela pasta no RS, Arita Bergmann, ainda não há certeza se a circulação de novas variantes e a queda no isolamento social contribuíram para a crise.

“Sobre motivos, não há como se ter certeza sobre quais foram as razões, mas o momento não é de achar culpados, pois o inimigo único por tudo isso é o vírus e, neste momento, precisamos de união de todos para diminuir circulação para que possamos conter disseminação”, disse.

Para a secretária, a rede privada acabou pressionando o sistema público.

“Isso preocupa porque o estado [do RS] já ampliou em 130% o número de leitos de UTI na rede pública e a rede privada não acompanhou mesmo ritmo, se esgotando e colocando mais pressão no sistema”, avaliou Arita Bergmann.

O secretário paranaense Beto Preto ressaltou que o governo abriu leitos críticos ao longo das últimas semanas, mas que o estado carece de recursos humanos. Na avaliação dele, as medidas de restrição de circulação foram importantes para dar tempo do estado se preparar.

“Neste momento, a explosão de casos é exponencial. O que era uma estratégia de batalha se transformou numa guerra franca. Por isso estamos abrindo novos leitos, conversando com mais equipes médicas e de enfermagem para poder nos ajudar”, disse o secretário.

Em entrevista à Globo News na última quinta-feira (4), o secretário catarinense, André Motta Ribeiro, afirmou que o estado é bem organizado no atendimento de pacientes em UTI.

“Nós estamos, há um ano, organizando o estado de Santa Catarina para este enfrentamento. Mas houve falhas? Provavelmente sim. Nós temos uma dificuldade de entendimento da gravidade da doença como sociedade. Inclusive, quando se vê a baliza do que está acontecendo em Santa Catarina, que aliás é um reflexo do que acontece no Brasil e no mundo”, respondeu.

O representante da pasta ainda falou que as mortes não se dão pela falta de leitos críticos, mas pela gravidade da Covid-19.

“As pessoas não estão morrendo porque estão na fila esperando UTI. As pessoas estão morrendo porque esta doença é uma doença grave. Inclusive, pacientes em UTI também estão perdendo a vida. Isso é lamentável e é triste. O estado de Santa Catarina é um estado muito bem organizado, tanto na oferta de leitos de UTI Covid como também no APH fixo, o atendimento pré-hospitalar”, afirmou Motta Ribeiro.

Nos balanços mais atualizados dos governos dos três estados, a Região Sul contabilizava 2.143.607 casos e 34.718 mortes por Covid-19, sendo 13.837 mortes no Rio Grande do Sul, 12.711 no Paraná e 8.170 em Santa Catarina.

Fonte: Gustavo Chagas e Janaína Lopes - G1 RS - RBS TV