Ministro da Saúde, Arthur Chioro

Ministro da Saúde, Arthur Chioro

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, quer que a auditoria que será aberta nos próximos dias para investigar as contas da Santa Casa de São Paulo analise também o destino que foi dado aos recursos federais transferidos para a instituição. Semana passada, depois de o maior hospital filantrópico do país suspender por 30 horas o atendimento no pronto-socorro por falta de materiais, o ministério recebeu da Secretaria de Saúde paulista uma planilha com os repasses para complexo e identificou um rombo de R$ 72 milhões.

“Vamos colocar tudo a limpo. Não vamos participar de uma auditoria somente para avaliar a despesas. Temos de olhar também a receita.” Caso o governo de São Paulo não apresente uma explicação plausível, Chioro diz que pedirá a devolução dos recursos. Em entrevista ao Estado, ele classificou como “jogo de hipocrisia” a alegação de que a crise de Santas Casas seria resultado da falta de reajuste na tabela de procedimentos. Ele garante que ela foi alterada 37 vezes ao longo dos últimos 7 anos e que representa cerca de 50% do total de recursos que instituições recebem da pasta. Avisa que já mandou sua equipe avaliar alternativas para acabar com a tabela SUS. “Ela está com os dias contados.” A seguir, trechos da entrevista concedida na noite de sexta-feira:

O governo de São Paulo distribuiu nota negando a falta de repasse dos R$ 72 milhões para Santas Casas.

Esta não é uma resposta formal para o Ministério. É uma nota da assessoria de imprensa. Vou aguardar esclarecimentos. Vamos pedir para que o assunto seja avaliado na auditoria que será feita da Santa Casa. Não vou participar de um grupo só para olhar as despesas. Temos de olhar as receitas também. Se estivermos errados, tudo bem. Mas nossa avaliação é a de que existe um rombo. O dinheiro não está chegando. Se isso for confirmado, vamos exigir que apliquem a verba. Com isso, a dívida da instituição, a curto prazo, estaria resolvida: ela é de R$ 55 milhões. E os recursos que não chegaram ao destino totalizam R$ 72 milhões.

Administradores de hospitais filantrópicos atribuem a crise pela qual estão passando à falta de reajuste da tabela do SUS. Uma crítica endossada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Existe aí uma hipocrisia. Quando provedores vêm aqui para conversar comigo, todos mudam o tom. Eles sabem que não recebem mais por tabela. Isso acontece somente com alguns hospitais privados e lucrativos. É um jogo maroto que eles fazem. Muito mais que base de pagamento, a tabela é hoje um instrumento de informação, que nos permite saber quantos atendimentos, quantas cirurgias foram feitas. Boa parte dos recursos dessas instituições vem dos incentivos, uma lógica que vem sendo aprimorada desde 2004. A Santa Casa de São Paulo é um exemplo. Ano passado, eles receberam R$ 150 milhões referentes à produção. E outros R$ 138 milhões de incentivos. E isso acontece com as demais. Não existe Santa Casa que receba apenas dinheiro do repasse.

O senhor diz então que eles estão errados ao afirmar que a tabela está desatualizada?

Vou chamá-los aqui e lembrar que em 2004 eles, comigo, produziram uma proposta de mudança na lógica de pagamento. No novo modelo, os valores dos procedimentos perdem a importância. Até então, administradores vinham ao Ministério para perguntar: o que devo produzir, que tipo de procedimentos devo fazer para receber melhor, em vez de informar o que a população da região precisava. O pagamento por procedimentos é isso, é uma lógica perversa. Você interna pessoas que não precisam, segue em busca de atividades mais lucrativas. Com incentivos é diferente, induzimos as políticas necessárias. Isso foi aceito e colocado em prática. Ano passado, os provedores procuraram o (então) ministro Alexandre Padilha e negociaram duas coisas: aumentar o valor do IAC (Incentivo de Apoio à Contratualização) de 26% para 50% e encontrar mecanismos para perdão da dívidas das instituições com o governo. Ele cumpriu a promessa. Vou perguntar: vocês querem que eu acabe? Pego os R$ 2, 6 bilhões referentes ao reajuste do incentivo de contratualização, dinheiro que fica concentrado para Santas Casas, e coloco na tabela, com a concessão de reajustes. Eles vão responder: de jeito nenhum. Vai ser um retrocesso. É o jogo da hipocrisia. Da dificuldade de encarar o desafio complexo de mudar completamente o modelo de pagamento.

Seria uma pressão por manter a tabela?

Queria entender melhor. Por isso vou chamá-los. Ano passado, quando vieram aqui, eles não pediram reajuste para procedimentos, mas aumento do incentivo de contratualização. Tiveram. Passou de 26% para 50%. Eles sabem que a quantidade de recursos que temos é finita. Se tiver de aumentar a tabela, o recurso vai para todos: hospital público, privado, não só para Santas Casas. Uma parte dos dirigentes das Santas Casas entram nesse jogo de oba-oba, que inclusive tem exploração política.

Mas a crise não está relacionada com financiamento?

Só por isso? Veja a Santa Casa de São Paulo: 40 hospitais estão sob a gestão da instituição. É muito comum apontar problemas de gestão no setor público, mas todos sabemos que é um desafio na área privada também. Só lamento que o provedor não tenha nos procurado. Fomos procurados por outras instituições, como a Santa Casa de Santos. Estamos tentando ajudar. Há uma linha do BNDES para socorro a esses hospitais. Pouco é usado. Porque na análise de risco, na renegociação da dívida eles têm de se comprometer com melhorias. Entramos num círculo vicioso. Tem subfinanciamento, baixa profissionalização, o que faz com que o custo se eleve. É muito difícil identificar a raiz do problema.

O senhor diz que não foi comunicado sobre a crise da Santa Casa de São Paulo. Mas o governo federal não deveria acompanhar a aplicação dos recursos que transferiu para a instituição?

O contrato não é feito diretamente com o governo federal. É entre o Estado de São Paulo e a instituição. Você deveria perguntar para eles.

Pelo o que o senhor diz, não haverá aumento da tabela.

Não vamos colocar mais recursos para pagar a tabela. Vamos avançar agora por pacote de cuidados. Um paciente que tem uma lesão no joelho, por exemplo. Hoje, é uma luta para conseguir consulta, outra luta para marcar exame de diagnóstico, para fazer cirurgia. Se tiver de usar prótese ou órtese, então, mais um capítulo. Até quando vamos continuar fragmentando a saúde? Se a pessoa tem um problema, é preciso que a terapia seja garantida até a cura. No caso de cuidados de doenças crônicas, tem de ser para vida inteira. Vamos vincular esse paciente a um serviço e pagar para que ele receba o cuidado geral, com qualidade. Não preciso ter alguém que vai virar um renal crônico para que alguém fique interessado, para fazer um transplante, um procedimento mais rentável para o prestador. Se tiver outra lógica de pagamento, vou fazer com que aquele serviço se preocupe com o paciente, que trabalhe e preste sobretudo atendimento preventivo. Porque se gerar custo mais caro, o prestador será cobrado. Para ele, será um bom negócio que o paciente esteja em bom estado de saúde.

Não há o risco de o prestador burlar o sistema para economizar? Oferecer somente as medidas mais baratas para ficar com o restante do pagamento?

Eles terão de seguir um protocolo. Com média de consultas, exames mínimos a serem pedidos. O controle pode ser feito a partir dos pacientes inscritos no programa. Operadoras de saúde já começaram a adotar estratégia semelhante. No caso dos planos, numa lógica de redução de custos. Nossa ideia não é economizar. Mas garantir tratamento total. Inglaterra, Espanha e algumas regiões de Portugal adotam essa modelagem de pagamento. É mais avançada. Não há dúvida de que será um desafio.

Qual é a agenda?

Essa política vai trabalhar com um orçamento. Baseada em padrões técnicos de forma que a produção, o pagamento por procedimentos, não seja nem a desculpa nem a arma do esperto. A ideia é calcular os gastos por área, fazer a partilha entre as três esferas de governo. Sim, porque o governo federal não pode, não vai e nem tem obrigação de financiar ações e serviços de saúde.

Por onde vocês vão começar?

Temos de fazer a precificação, quanto custa cada paciente. E a instituição se encarrega de prestar toda a assistência, cuidado integral, sem meio do caminho. Não consigo fazer isso em seis meses. Nem em todas as áreas de uma só vez. A ideia é começar com traumato-ortopedia e oncologia. Duas das áreas que exigem resolutividade. Do que adianta, por exemplo, fazer diagnóstico de câncer se não há oferta de tratamento, se não há seguimento?

Mas isso exigiria da instituição uma estrutura complexa. E nos casos de cidades pequenas, que não dispõem de terapias mais sofisticadas?

A instituição responsável vai poder contratar os serviços da rede. E já estamos pensando nessa logística. Terá de haver transporte, é certo. Mas esse também será um mecanismo para que possamos fazer o controle.

Essa rede não é um caminho para privatização dos serviços de saúde?

Não estou preocupado com isso. O que a rede não pode fazer é se desobrigar de prestar o atendimento porque tem um pedaço que ela não faz. Como numa linha de produção, todos os passos têm de estar programados e articulados. E eles remunerados não por cada passo, mas pelo conjunto da obra e pelo resultado que entrega.

Há ferramentas para esse controle?

É preciso ter um sistema de tecnologia de informação, estrutura. Algo que já se avançou muito com a criação dos prontuários eletrônicos. Mas há ferramentas testadas de outros países. Não seria difícil importá-las.

Em que fase estão?

Na produção dos marcos, a modelagem, como será a relação público-privada. Não vamos mudar na estrutura do SUS, mas no jeito de fazer o pagamento, precisa mudar. Se conseguir deixar uma contribuição para esse debate, os marcos, para quem vier depois poder trabalhar com a mudança já será uma contribuição importante.

O senhor tem o aval da presidente?

Fui chamado para o cargo, entre outras coisas, para reformar o que era necessário. Não vou fazer isso sem consultar o Conselho Nacional de Saúde, gestores estaduais e municipais. Mas a ordem de comando para minha equipe, para que o modelo fosse estudado e desenvolvido, já está dada.

Fonte: Estadão