Em sessão plenária realizada no último dia 02/03/2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou o resultado do julgamento das ADIs 2028, 2036, 2228 e 2621, para declarar inconstitucionais dispositivos previstos na Lei nº 9.732/1998, que, além de promoverem alterações na Lei nº 8.212/1991, ainda estabeleceram novos critérios para o gozo da “isenção tributária” (na verdade imunidade, eis que expressamente prevista na Constituição Federal, art. 195, § 7º) a que fazem jus entidades beneficentes de assistência social e educação.

A Suprema Corte decidiu, por maioria, que “os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar”.

As ADIs foram ajuizadas no bojo da edição da Lei nº 9.732/1998, que, ao promover alterações no art. 55, inciso III, da Lei nº 8.212/1991, veiculando critérios para o gozo da “isenção”, acabou por restringir o conceito de entidade beneficente para os fins da imunidade de contribuições previdenciárias que é assegurada pelo art. 195, §7º, da CRFB/88.

Em virtude da posterior edição da Lei nº 12.101/2009, que revogou os mencionados dispositivos legais, as ações foram recebidas como ADPF, sendo que, no mérito, a Suprema Corte consolidou o entendimento de“que, em se tratando de imunidade, a teor do disposto no artigo 146, III, da Constituição Federal, somente lei complementar pode disciplinar a matéria”.

A decisão vem confirmar a já pacificada posição do STF, que identifica, repita-se, “na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social” (RMS 22192/DF, Primeira Turma, Relator: Min. Celso de Mello, DJ de 19/12/1996).

As normas de imunidade, ao obstarem o exercício da competência tributária, visam proteger valores políticos, morais, culturais e sociais de natureza fundamental, vedando a tributação de certas pessoas, bens e serviços ligados a eles, razão por que devem ser compreendidas como elementos de um sistema harmônico e integrado de regras e propósitos constitucionais e interpretadas em função do papel que cumprem em favor dos valores prestigiados por esse ordenamento normativo e principiológico.

Com efeito, a Constituição Federal, ao instituir em seus artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º, a imunidade de impostos e contribuições para a seguridade social em relação às instituições de educação e entidades beneficentes de assistência social, buscou incentivar a iniciativa privada no auxílio ao Estado para cumprimento dos deveres e funções sociais assegurados em seus artigos 203 e 205.

Assim, a definição normativa do alcance da imunidade não pode ser alheia aos fins sociais visados pela Carta Magna, de tal forma que a interpretação que considere a tutela desses valores de extrema relevância será sempre a mais pertinente.

Essa diretriz hermenêutica, que define o alcance da norma constitucional de imunidade segundo a compreensão da função social a ser alcançada e tendo em conta o ordenamento constitucional como um todo, deve orientar a leitura do § 7º do artigo 195 da CRFB/88 e a regulamentação compatível em relação à forma e aos limites do estabelecimento de regras disciplinadoras do exercício da imunidade.

Nesse contexto, considerando-se os valores sociais que justificam a imunidade consagrada no art. 195, § 7º, da CRFB/88, bem como a obrigação do legislador e do intérprete de apenas permitir restrições consentidas inequivocamente pela Lei Maior, a interpretação de eventuais condições há de ser estrita, vedadas conclusões que impliquem negativa à forma e ao conteúdo revelados pela Constituição.

Fixadas essas inafastáveis premissas e tendo em vista se tratar de autêntica limitação constitucional ao poder de tributar, a única conclusão possível é de que as “exigências legais” ao exercício das imunidades são sempre “normas de regulação”, às quais fez referência o constituinte originário no inciso II do artigo 146, que outorga à lei complementar a disciplina da matéria.

A recente decisão proferida pelo STF nas ADIs 2028, 2036, 2228 e 2621, portanto, vem afastar de uma vez por todas quaisquer dúvidas quanto à reserva exclusiva de lei complementar para a disciplina das condições a serem observadas no exercício do direito à imunidade, donde se conclui que, ante a inexistência de norma específica a regular a garantia prevista no § 7º do art. 195 da CRFB/88, e considerada a natureza tributária das contribuições destinadas à seguridade social, apenas as disposições previstas no Código Tributário Nacional (CTN), diploma legal recepcionado com status de lei complementar pela ordem constitucional inaugurada em 1988, constitui norma apta a fixar os requisitos para a fruição daquele benefício fiscal.

Por essa razão, e como muito bem esclarecido pelo Ministro Marco Aurelio em seu voto, até a edição de lei complementar, as regras aplicáveis à hipótese são as do artigo 14 do CTN.

Como visto, o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, aí incluídas as alterações da Lei nº 9.732/1998, estabeleceu vários requisitos, diversos daqueles previstos no art. 14 do CTN, para que as entidades beneficentes de assistência social pudessem usufruir da imunidade prevista no § 7º do art. 195 da CRFB/88.

Ocorre que a Lei ordinária nº 12.101, de 27.11.2009, que revogou o artigo 55 da Lei nº 8.212/91, estabeleceu restrições ainda mais severas – e quase inatingíveis – ao gozo da imunidade tributária assegurada pelo art. 195, § 7º, da CRFB/88, extrapolando os requisitos previstos no art. 14 do CTN, em flagrante inconstitucionalidade, na linha do entendimento consolidado pela Suprema Corte.

Por outro lado, é de se ponderar que, além dos vícios formais, as restrições estabelecidas pela Lei nº 12.101/2009 ainda incorrem em flagrante inconstitucionalidade material, porquanto, ao tratar a hipótese de imunidade tributária como se mera isenção legal fosse, impondo exigências demasiadamente desproporcionais ao seu exercício, o legislador ordinário minimizou a efetividade do comando constitucional, reduzindo o alcance da regra que, como constitucionalmente prevista, não se presta a simples favor fiscal, mas a fomentar entidades da sociedade civil a participarem de forma proativa auxiliando ou colaborando com entes governamentais para suprir deficiências estatais nos setores da assistência social, da saúde e da educação.

E aí reside a inconstitucionalidade material, eis que o alcance da imunidade tributária outorgada às entidades beneficentes pela Carta Constitucional não pode ser reduzido ao alvedrio do legislador ordinário, conforme se verifica em relação à Lei nº 12.101/2009.

Com efeito, nem mesmo mediante lei complementar é admissível que se imponha às entidades beneficentes exigências excessivas e desarrazoadas para o aproveitamento da imunidade atinente às contribuições para a seguridade social. Do contrário, permitir que a norma legal imponha condições, de forma indiscriminada, ao gozo da imunidade é o mesmo que inutilizar a não incidência consagrada no Texto Maior, o que é inadmissível.

Fato é que o STF, conferindo a adequada interpretação ao § 4º do artigo 150, da CRFB/88, acabou por uniformizar o entendimento quanto aos critérios para imunidades tributárias no terceiro setor, em consonância com os parâmetros do artigo 150, VI, “c” da Carta Política, sendo certo que o benefício não se limita às atividades típicas das instituições de educação e de assistência social, mas abrange todas as atividades desempenhadas por essas entidades, desde que os rendimentos sejam empregados nos seus respectivos fins institucionais.

Deve-se, portanto, adotar a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais, de modo a garantir a máxima efetividade da norma constitucional, ontológica e finalisticamente vinculada.

Gilberto Fraga – Sócio do escritório Fraga, Bekierman & Cristiano Advogados

Pedro Ivo Mattos – Associado do escritório Fraga, Bekierman & Cristiano Advogados

Fonte: Portal Jota – Consultoria